segunda-feira, 23 de setembro de 2013

8 - Quando tudo parece dar certo .....

Há alguns anos, juntamente com um colega de Universidade, ajudei a desenvolver um sistema de Educação à Distância.
Estes sistemas para serem utilizados pela internet, ainda eram novidade e nos parecia um mercado bastante promissor. Depois de meses de desenvolvimento, realizamos mais um bom período de testes, e parecia que o sistema estava “redondo”.
Este meu colega, se encarregou de toda a parte comercial e eu da educacional. Eu achava que a parte comercial estava nas mãos corretas quando ele me disse que havia conseguido gratuitamente um espaço em uma feira de educação. Era a porta ideal a ser aberta.
Acertamos que eu ficaria no stand, enquanto ele faria os contatos comerciais. Eu fazia as demonstrações e ele buscava os interessados.
Logo no primeiro dia, na hora do almoço ele voltou animado, me contando que havia conversado na indústria com uma grande indústria e que após apresentar as funcionalidades, teria ouvido como resposta: “era justamente isto que estávamos procurando!”.
Quando ele me contou, eu vibrei. Logo na primeira tentativa! Recordo que até fiz uma piada. “Será que Deus é sócio oculto na empresa?” Eu não me continha de felicidade. Ao final do primeiro dia, ele havia feito mais dois contatos na parte da tarde que também teriam apresentado igual interesse.
Eu não acreditava. Parece que havíamos acertado em cheio nos anseios do mercado. Ainda bem este meu colega cuidava da parte comercial! Logo pagaríamos todas as dívidas e começaríamos a ganhar dinheiro.
Mais dois dias de feira e uma dúzia de contatos haviam sido feitos,  sendo praticamente todos eles “promissores”.
Continuamos os testes e adaptações no sistema até que cerca de um mês após o final da feira, eu não havia visto nenhum contato sendo desenvolvido. Então resolvi questionar se todos aqueles contatos, ou parte deles, não iriam ser desenvolvidos.
Recebi como resposta que ele não tinha tempo!
Dizem que para bom entendedor, meia palavra basta! Acho que não fui bom entendedor. Tanto que continuei no projeto, acreditando no sucesso futuro.
Pouco tempo depois, ele iniciou os contatos para montagem de um determinado curso através da internet, fazendo uso do nosso sistema.
Numa das idas para discutir o fechamento do contrato, ouvi dele “pretendo até o final do ano gastar pelo menos um milhão na montagem de uma creche!”.
Estranhei, claro, até então não havia entrado um único centavo e ele já “gastava por conta!”. Estávamos já no segundo semestre, agosto ou setembro, e o final do ano não estava longe.
Nesta conversa ele disse ainda, que “logo estaríamos com 200.000 alunos no curso, pois era um curso que “todo mundo estava procurando”.
Num daqueles “acessos de lucidez” deu falei: “quando chegar a 5.000 eu vou comprar rojões para comemorar!”. Ouvi como resposta que eu não sabia nada, e que por isso estava sendo pessimista.
Para encurtar a história, o curso não chegou a ter 200 alunos no total.  Acho que fui até muito otimista ao falar em 5.000. Me recordo que a explicação era que as pessoas ainda não estavam preparadas para o curso que nós montamos.
Acho que posso dizer que para um bom otário meia mentira basta! Eu ainda saí feliz, além de duro, achando que éramos a vanguarda da vanguarda. Até me senti um pouco Steve Jobs! (Ausência total de “desconfiometria”!)
Continuamos a desenvolver o sistema, até que conseguimos colocar o mesmo em uma escola muito bem ranqueada na época nos exames do ENEM[1]. Eu, mesmo não sendo responsável pela área comercial, enxergava na oportunidade, uma porta de entrada para outras escolas, visto que o estabelecimento onde estávamos era muito bem conceituado.
Os rendimentos eram bons. E constantemente eu buscava ajustar totalmente o sistema ao nosso principal cliente. Na verdade o único.
Eu ia diariamente à escola e qualquer ajuste que eu julgava necessário, ligava para a equipe de desenvolvimento e deixava como parecia o ideal para a escola.
No segundo ano da parceria, aumentamos o número de alunos atendidos, dentro da mesma escola, e com consequente aumento dos rendimentos.
Foi aí que fui comunicado por este colega, que era sócio majoritário na empresa, que não poderia solicitar mais nenhuma adequação do sistema para a escola. Segundo ele, não poderíamos nos adaptar ao cliente, mas o cliente é que deveria se adaptar a nós!
Aquilo soou estranho! Eu acreditava na máxima popular de que o cliente sempre tem razão. Mas ele insistiu e fechou a questão. Eu era sócio minoritário e não tive como modificar a situação. Ele alegava que éramos “muito mais inteligentes do que aqueles caras da escola!”. No meu simplório entender, se realmente fôssemos, seríamos nós os dirigentes da escola e não eles.
Mas mantive a situação como foi ordenado. No final do ano, ocorreu o que eu já vinha alertando a ele. O contrato não foi renovado! E ficamos com uma mão na frente e outra atrás!
Ainda ouvi que “aquele pessoal não estava preparado para o nosso sistema!”. Desta vez não me senti mais vanguarda, mas otário.
Depois desta escola, não conseguimos mais implantar o sistema em nenhuma outra. Já haviam plataformas gratuitas como o Moodle, que inviabilizava a operação.
Fiquei feliz quando ele falou que queria comprar meus 15% da empresa. De pronto aceitei e assinei tudo. Eu achava que ia receber alguma coisa! Passei recibo de otário.
Ele continuou com projetos mirabolantes, sempre com vista a lucros elevadíssimos, sendo que nenhum decolou, sequer iniciou, na maioria dos casos.
Se por um lado me senti aliviado por não estar mais em canoas furadas nestes projetos, na condição de sócio, por outro lado, tinha a sensação de que havia gente mais otária do que eu!
Na verdade quem “identificou” o negócio “promissor” com este colega, foi minha esposa de então. Ela que me estimulava a passar vários dias fora de casa, em outra cidade, participando do desenvolvimento do sistema. Como eu sempre me achei sem grande faro para identificação de negócios, imaginei que ela estava descobrindo um filão maravilhoso para mim.
Isto foi um pouco antes do descarte e substituição (não necessariamente nesta ordem!).
Acho que ela não era também uma excelente consultora de negócios! E nem eu um bom identificador de ciladas.



[1] Exame Nacional do Ensino Médio

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