Há
alguns anos, juntamente com um colega de Universidade, ajudei a desenvolver um
sistema de Educação à Distância.
Estes
sistemas para serem utilizados pela internet, ainda eram novidade e nos parecia
um mercado bastante promissor. Depois de meses de desenvolvimento, realizamos
mais um bom período de testes, e parecia que o sistema estava “redondo”.
Este
meu colega, se encarregou de toda a parte comercial e eu da educacional. Eu
achava que a parte comercial estava nas mãos corretas quando ele me disse que
havia conseguido gratuitamente um espaço em uma feira de educação. Era a porta
ideal a ser aberta.
Acertamos
que eu ficaria no stand, enquanto ele faria os contatos comerciais. Eu fazia as
demonstrações e ele buscava os interessados.
Logo
no primeiro dia, na hora do almoço ele voltou animado, me contando que havia
conversado na indústria com uma grande indústria e que após apresentar as
funcionalidades, teria ouvido como resposta: “era justamente isto que estávamos
procurando!”.
Quando
ele me contou, eu vibrei. Logo na primeira tentativa! Recordo que até fiz uma
piada. “Será que Deus é sócio oculto na empresa?” Eu não me continha de
felicidade. Ao final do primeiro dia, ele havia feito mais dois contatos na
parte da tarde que também teriam apresentado igual interesse.
Eu
não acreditava. Parece que havíamos acertado em cheio nos anseios do mercado.
Ainda bem este meu colega cuidava da parte comercial! Logo pagaríamos todas as
dívidas e começaríamos a ganhar dinheiro.
Mais
dois dias de feira e uma dúzia de contatos haviam sido feitos, sendo praticamente todos eles “promissores”.
Continuamos
os testes e adaptações no sistema até que cerca de um mês após o final da
feira, eu não havia visto nenhum contato sendo desenvolvido. Então resolvi
questionar se todos aqueles contatos, ou parte deles, não iriam ser
desenvolvidos.
Recebi
como resposta que ele não tinha tempo!
Dizem
que para bom entendedor, meia palavra basta! Acho que não fui bom entendedor.
Tanto que continuei no projeto, acreditando no sucesso futuro.
Pouco
tempo depois, ele iniciou os contatos para montagem de um determinado curso
através da internet, fazendo uso do nosso sistema.
Numa
das idas para discutir o fechamento do contrato, ouvi dele “pretendo até o
final do ano gastar pelo menos um milhão na montagem de uma creche!”.
Estranhei,
claro, até então não havia entrado um único centavo e ele já “gastava por
conta!”. Estávamos já no segundo semestre, agosto ou setembro, e o final do ano
não estava longe.
Nesta
conversa ele disse ainda, que “logo estaríamos com 200.000 alunos no curso,
pois era um curso que “todo mundo estava procurando”.
Num
daqueles “acessos de lucidez” deu falei: “quando chegar a 5.000 eu vou comprar
rojões para comemorar!”. Ouvi como resposta que eu não sabia nada, e que por
isso estava sendo pessimista.
Para
encurtar a história, o curso não chegou a ter 200 alunos no total. Acho que fui até muito otimista ao falar em
5.000. Me recordo que a explicação era que as pessoas ainda não estavam
preparadas para o curso que nós montamos.
Acho
que posso dizer que para um bom otário meia mentira basta! Eu ainda saí feliz,
além de duro, achando que éramos a vanguarda da vanguarda. Até me senti um
pouco Steve Jobs! (Ausência total de “desconfiometria”!)
Continuamos
a desenvolver o sistema, até que conseguimos colocar o mesmo em uma escola
muito bem ranqueada na época nos exames do ENEM[1].
Eu, mesmo não sendo responsável pela área comercial, enxergava na oportunidade,
uma porta de entrada para outras escolas, visto que o estabelecimento onde
estávamos era muito bem conceituado.
Os
rendimentos eram bons. E constantemente eu buscava ajustar totalmente o sistema
ao nosso principal cliente. Na verdade o único.
Eu ia
diariamente à escola e qualquer ajuste que eu julgava necessário, ligava para a
equipe de desenvolvimento e deixava como parecia o ideal para a escola.
No
segundo ano da parceria, aumentamos o número de alunos atendidos, dentro da
mesma escola, e com consequente aumento dos rendimentos.
Foi
aí que fui comunicado por este colega, que era sócio majoritário na empresa,
que não poderia solicitar mais nenhuma adequação do sistema para a escola.
Segundo ele, não poderíamos nos adaptar ao cliente, mas o cliente é que deveria
se adaptar a nós!
Aquilo
soou estranho! Eu acreditava na máxima popular de que o cliente sempre tem
razão. Mas ele insistiu e fechou a questão. Eu era sócio minoritário e não tive
como modificar a situação. Ele alegava que éramos “muito mais inteligentes do
que aqueles caras da escola!”. No meu simplório entender, se realmente
fôssemos, seríamos nós os dirigentes da escola e não eles.
Mas
mantive a situação como foi ordenado. No final do ano, ocorreu o que eu já
vinha alertando a ele. O contrato não foi renovado! E ficamos com uma mão na
frente e outra atrás!
Ainda
ouvi que “aquele pessoal não estava preparado para o nosso sistema!”. Desta vez
não me senti mais vanguarda, mas otário.
Depois
desta escola, não conseguimos mais implantar o sistema em nenhuma outra. Já
haviam plataformas gratuitas como o Moodle, que inviabilizava a operação.
Fiquei
feliz quando ele falou que queria comprar meus 15% da empresa. De pronto
aceitei e assinei tudo. Eu achava que ia receber alguma coisa! Passei recibo de
otário.
Ele
continuou com projetos mirabolantes, sempre com vista a lucros elevadíssimos,
sendo que nenhum decolou, sequer iniciou, na maioria dos casos.
Se
por um lado me senti aliviado por não estar mais em canoas furadas nestes
projetos, na condição de sócio, por outro lado, tinha a sensação de que havia
gente mais otária do que eu!
Na
verdade quem “identificou” o negócio “promissor” com este colega, foi minha
esposa de então. Ela que me estimulava a passar vários dias fora de casa, em
outra cidade, participando do desenvolvimento do sistema. Como eu sempre me
achei sem grande faro para identificação de negócios, imaginei que ela estava
descobrindo um filão maravilhoso para mim.
Isto
foi um pouco antes do descarte e substituição (não necessariamente nesta
ordem!).
Acho
que ela não era também uma excelente consultora de negócios! E nem eu um bom
identificador de ciladas.
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