segunda-feira, 23 de setembro de 2013

3 - O tempo passa

E la nave va
(Filme dirigido por Frederico Fellini em 1983)

Nada de cinéfilo no subtítulo. Somente tomo a liberdade de não respeitar a cronologia dos fatos. Na verdade, sempre busquei quebrar os grilhões de Chronos[1]. Na minha simplória visão, o tempo foi criado como uma abstração para interpretar os atrasos. Apesar de seu ser extremadamente pontual, acho que sempre deixei o tempo um pouco de lado.
Passados alguns anos, eu já havia terminado a USP[2] (sim, um otário na USP!) e buscava dar seguimento à vida dentro daqueles padrões usuais: casar, ter filhos, etc.
Convém aqui explicitar que eu já não dava qualquer crédito para a hipótese ornitológica. Minha experiência sexual de então não era vasta como a maioria dos colegas costumava declarar, mas não estava no nível zero.
Namorava com uma colega havia cerca de dois anos e estávamos programando casar. Apenas estávamos aguardando ela terminar o seu curso de Medicina.
Mais dois anos e ela terminou o curso. Eu estava trabalhando em outro estado. Portanto, ela pretendia procurar se candidatar à Residência Médica na capital daquele estado. Eu estava morando próximo da capital, a cerca de 50 quilômetros.
Tudo parecia extremamente simples, como algumas vezes parece ser no planejamento. Casa-se, muda-se se cursa a residência e pronto!
Parecia tudo dentro do planejamento. Ela conseguiu a vaga em um grande hospital. Eu continuaria residindo na cidade onde morava, que era de porte pequeno, e ela passaria parte da semana no hospital.
Conceitualmente, o residente de medicina é utilizado como mão de obra barata, de forma a que a expressão “residente” tem um sentido muito amplo.
Ou seja, minha então esposa, praticamente morava no hospital e, quando conseguia, vinha para casa a cada duas semanas.
Como disse acima, eu não acreditava mais em cegonhas, e achava sexo algo natural e saudável, além de prazeroso.
Achava que iria começar a vida de casado “tirando o atraso”. Mas uma daquelas falhas de planejamento me deixou “na mão”.
Ela raramente vinha para casa, eu ia para a capital nos finais de semana. As colegas de hospital ficavam com pena de nós, e deixavam um dos alojamentos para que dormíssemos juntos.
Mas parecia uma conspiração do universo.! Quando começava a “rolar alguma coisa”, tocava o telefone chamando a Doutora na emergência. A brochada era instantânea, quase na velocidade da luz.
Depois do atendimento, obviamente não rolava mais nada. E dormíamos a noite toda como amiguinhos.
Mas como eu já havia dito, sempre soube ser paciente, insistente, persistente, insistente, ou algo parecido.
Não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe!”
(ditado popular)
No planejamento é tudo simples! Basta aguardar a residência médica terminar e pronto! Tudo entra nos eixos. Era questão apenas de se aguardar por três anos e tudo se revolveria.
Confesso que aqueles anos pareciam ir além dos tais trezentos e sessenta e cinco anos regulamentares. Mas eu sempre repetia para mim mesmo o provérbio acima citado.
Mas acho que outro provérbio me visitava; aquele tal provérbio árabe: “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”.
E após 3 longos anos ela passou a morar em casa. Montou um consultório na cidade e julguei que tudo iria “entrar nos eixos”.
Eu já começava a elaborar a teoria do ineditismo. Eu talvez fosse o primeiro sujeito a querer transar com a própria esposa! Mas a teoria logo vinha abaixo, uma vez que se tal fosse verdade, teria sido motivo de publicação na revista científica Nature! Como eu nunca havia sido procurado por um pesquisador, o ineditismo não ocorrera. E eu dava por certo que transar era normal, ainda mais entre marido em mulher.
Estranhamento a frequência sexual era assustadoramente próxima de zero. Eu procurava entender o motivo. Como não conseguia explicação, resolvi questionar eça sobre o motivo.
A resposta parecia aceitável: “é que você me procura na hora errada!”.
Botei meu raciocínio lógico para funcionar; imaginei um gigantesco relógio numerado de 1 a 24, com um ponteiro de formato fálico girando. Bastaria eu ir tentando até achar a tal hora mágica, e, pimba!
Evidentemente hoje eu me sinto ridículo quando me recordo da estratégia. A pesquisa abrangeu praticamente todas as horas possíveis do relógio e nada! Continuava tudo no “zero a zero”. É vergonhoso dizer, mas insisti por meses nesta tentativa. Não vou dizer que foi de toda infrutífera. Chegou a quase 10 em um ano. Bem, melhor do que nada!
Imagine que cheguei a dar umas escapadas do serviço e ir procurar ela no consultório para ver se rolava algo! Mais furos n’água!
Quando começamos a discutir sobre termos filhos, a chama reacendeu! Como a hipótese ornitológica não mais valia, somente a sexual seria o caminho. Então as coisas iriam “entrar no eixo”.
Passaram-se vários meses e nada de engravidarmos. Não me esqueço de um casal amigo onde ao comentarmos a não gravidez, o marido do casal falou “vocês já experimentaram transar?”. Obviamente aquilo me doída por dentro, pois a frequência era sub infra baixa. E eu sabia que cegonha não resolvia mesmo!
Ela resolveu consultar uma ginecologista na capital. Ela falou em se pesquisar a temperatura basal[3], para conseguirmos engravidar. Eu comemorei, pois iria transar com “receita médica”.
Não posso dizer que a frequência não tenha aumentado. Ela chegou a quase 3 em um mês. Em termos comparativos podemos dizer que praticamente triplicou. Evidentemente com esta ótica parece “doer menos”.
Graças ao termômetro, acabamos engravidando. Durante a gravidez, aquela frequência que havia aumentado, sofreu abrupta queda, em função de se estar grávida.
Eu vi com naturalidade a explicação, e pensei: “daqui a nove meses passa!”. E se passaram os tais nove meses. Eu, dentro do meu planejamento paciente, aguardei ansiosamente.
Passado o período do “recesso”, nasceu minha primeira filha, uma menina linda que preencheu muitos dos meus dias. Na fase inicial, as crianças requerem um cuidado redobrado, de forma que o período de “não frequência” continuou por mais cerca de dois anos.
Justamente aí, se pensou em planejar outra gravidez. De antemão eu sabia que para tal seria necessário transar. Aplaudi de pé!
Mas parece que o saber anterior foi substancialmente útil e em poucas tentativas a gravidez ocorreu e as ocorrências novamente escassearam.
Passado o período aproximado de 40 semanas e tudo recomeçou. As expectativas também.
Já havíamos mudado de estado duas vezes e agora estávamos morando em uma cidade do interior novamente. Pulei propositadamente alguns anos, uma vez que se não o fizesse estaria sendo demasiadamente repetitivo.
Foi nesta época em que na empresa onde eu trabalhava, havia um colega de trabalho que estava recém-casado em a esposa ficava residindo em uma cidade a cerca de 400 quilômetros de distância. Ele  morava em uma república e ia para casa nos finais de semana.
Recordo-me de uma vez em que este colega disse na sala “aqui nesta cidade o número de mulheres bonitas aumenta de segunda a quinta feira!”
A minha resposta foi “cara, o seu controle de qualidade é que vai baixando!” Engraçado que somos conscientes de nossa situação, mas somente a vemos nos outros.
Acho que foi desta época que comecei a fazer piada da situação da frequência declinante, quase inexistente.
Eu achava que fazendo piada, eu iria rir e esquecer o que acontecia. Em tese, parece uma solução boa. Parece doer menos. Tentamos imaginar que dói nos outros.
Foi nesta época que ouvi uma piada emblemática:
Havia um pai que tinha dois filhos gêmeos. Mas ele era muito pobre e no aniversário deles não tinha como comprar presentes para os dois. Como eles tinham temperamento diferente, um era otimista e o outro pessimista, ele bolou uma solução. Daria para o pessimista uma bicicleta e para o otimista uma lata de esterco.
Assim feito, no dia seguinte os dois irmãos se encontraram e o otimista perguntou ao pessimista o que ele havia ganho:
-Eu ganhei uma bicicleta, mas sei que vou cair, quebrar o braço, me ralar todo..... E você?
-Eu ganhei um cavalo, você viu ele por aí?”
Desnecessário dizer que eu me enxerguei no irmão otimista! Eu vinha há anos aguardando a alteração do padrão sexual e nada ocorria. Achei que a minha persistência vinha se confundindo com ingenuidade. Vinha passando “recibo do otário” no me entender.
Mas otário ou não, eu vinha insistindo. Bolava programas a dois e saídas, jantares, procurando criar um clima e nada! Eu fazia piadas interiores onde eu era incluído no Guinness, o livro dos recordes.
Faço aqui uma pequena digressão: uma vez eu, minha esposa e um casal amigo, fomos conhecer a cidade de Ouro Preto. Na entrada da cidade havia uma “manada” de meninos se oferecendo para ser guia. Como percebi que não dava para escapar, peguei um guia. Com o tempo percebi que ele só sabia as respostas para determinadas perguntas previamente decoradas. Comecei a evitar questionamentos e aguardar ele apresentar tudo.
Ao final da visita ele pediu para conversar reservadamente comigo. Achei que ele iria querer uma gorjeta além do combinado. Mas qual não foi a minha surpresa quando ele disse:
Meu tio, eu gostei muito do Senhor e queria lhe vender um pedaço da corda que enforcou o Tiradentes, que eu tenho lá em casa.”
Obviamente eu não comprei. Mas quando encontrei minha esposa e o tal casal, perguntei de pronto: “está escrito otário na minha testa? Podem ser sinceros, não vou me ofender!” Eles não entenderam nada, ainda mais que eu passava a mão na testa como se quisesse apagar algo escrito lá. Quando expliquei o ocorrido, todos riram. Eu, no fundo fiquei foi ofendido pelo fato de o garoto ter me achado com cara de otário para acreditar na sua história.
Agora explico o motivo para a digressão: eu continuava insistindo, e, pior, constantemente. Até um dia em que a ela, argumentou com uma similaridade científica invejável: “Sabe, eu fiz um levantamento e descobri que praticamente ninguém transa!
Imediatamente me recordei do episódio de Ouro Preto. Eu me senti sendo tratado por otário, deliberadamente, descaradamente otário. Eu não argumentei nada, de tão atordoado que fiquei.
Recordei-me do tal provérbio árabe contado pela minha avó. Bem, se mentira repetida mil vezes se torna verdade, então, se eu repetir mil vezes que ninguém transa, e passo a acreditar como verdade, então fica tudo bem, eu não me sinto mais mal com a situação.
Acho que já estava lá pela milésima repetição quando em uma festa aconteceu uma situação inusitada, motivada por mim.
Vou tomar a liberdade de outra digressão. Sempre ouvi um dito popular que diz “se a montanha não vem até Maomé, então Maomé vai até a montanha”.
Explicando: como eu não conseguia subir até a média mundial de frequência sexual, então eu poderia gerar uma conspiração onde a média mundial descesse até a minha, e ficaria tudo bem!
Acho que em um ato de desespero, eu falei em frente a um grupo de amigos “a atividade sexual está praticamente desaparecendo da espécie humana!”. Todos me olharam, senti que alguns queriam rir, outros procuravam ver se eu estava bêbado. A situação foi tão constrangedora, que me recordo da cara de todos que lá estavam.
Para poder criar um acreditar na afirmação ouvida, eu teria de reviver a hipótese ornitológica, que tantos anos havia levado para sepultar.
Percebi que não adiantava eu chegar na milésima repetição, que sempre haveriam referenciais da minha frustração de fundo sexual.
Esperar que a média mundial descesse até o meu patamar era sonhar demais. Eu já vinha apresentando sinais de frustração perceptíveis. Me recordo que uma fez uma senhora que fazia faxina em casa comentou que haviam arranhões no encosto da cama de casal. Felizmente tínhamos gatos em casa e os bichanos levaram a culpa toda. Ainda bem que ele não comentou que os arranhões eram de um único lado. E nem reparou as minhas unhas gastas.
Foi nessa época que ouvi pela primeira vez a expressão “beliscar azulejos”, que passei a usar como referencial imaginário para a minha situação. Ela não melhorava a situação, mas ficava parecendo algo engraçado. As estatísticas eram totalmente desfavoráveis, mas era uma maneira de eu tentar tirar meu foco da questão.
Vou fazer agora uma digressão em relação ao futuro. Após a minha separação, depois de mais de duas décadas de casado, conversando com um padre que havia conhecido, ele me questionou sobre os motivos da separação, e perguntou se a atividade sexual havia influenciado.
Eu respondi que entendia ser um fator que influenciou. Ao que ele me perguntou sobre a frequência. Eu falei remotamente sobre o número 3. Ele respondeu que para algumas pessoas 3 vezes na semana parecia pouco. Eu expliquei para ele que a base de cálculo era outra. Antes que ele falasse em mês, eu já fui direto e disse no penúltimo ano este tinha sido o teto no período de 365 dias. E em seguida que no ano seguinte, a frequência tinha caído mais 3 pontos.
Ele fez um olhar incrédulo e mudou de assunto. Fiquei um tanto chateado, pois ou fazia papel de otário ou de mentiroso. Senti que minha situação era digna de descrédito.
Isso me fez recordar de uma piada: ”Sabe qual o lado irônico de pegar AIDS da própria esposa? Todo mundo vai achar que você é veado, mas só você vai saber que você é corno!”
Só eu sabia que não era mentira. Havia uma dicotomia perversa: ou eu passava por mentiroso ou por otário. Nenhuma das duas interpretações se enquadrava no quadro de elogiosa.
Não me recordo exatamente a data, mas houve uma vez que diante de uma insistência quase desesperada, ouvi “Poxa vida, você não se lembra? Nós transamos ontem!”.
A insistência parou de pronto, a brochada foi instantânea. Uma discreta vontade de relinchar me visitou.
A frequência era tão ínfima que eu me lembrava de cada evento! Imagine se eu não iria me recordar se tivesse transado na véspera!
Parecia que eu estava novamente em Ouro Preto!



[1] Deus primordial. Na mitologia grega, Chronos ou Khronos (em grego Χρόνος, que significa ‘tempo’; em latim Chronus) era a personificação do tempo.
[2] USP – Universidade de São Paulo, criada em 1934
[3] Indicativo de ovulação

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