E la nave va
(Filme dirigido por Frederico Fellini em 1983)
Nada
de cinéfilo no subtítulo. Somente tomo a liberdade de não respeitar a
cronologia dos fatos. Na verdade, sempre busquei quebrar os grilhões de Chronos[1].
Na minha simplória visão, o tempo foi criado como uma abstração para
interpretar os atrasos. Apesar de seu ser extremadamente pontual, acho que
sempre deixei o tempo um pouco de lado.
Passados
alguns anos, eu já havia terminado a USP[2]
(sim, um otário na USP!) e buscava dar seguimento à vida dentro daqueles
padrões usuais: casar, ter filhos, etc.
Convém
aqui explicitar que eu já não dava qualquer crédito para a hipótese
ornitológica. Minha experiência sexual de então não era vasta como a maioria
dos colegas costumava declarar, mas não estava no nível zero.
Namorava
com uma colega havia cerca de dois anos e estávamos programando casar. Apenas
estávamos aguardando ela terminar o seu curso de Medicina.
Mais
dois anos e ela terminou o curso. Eu estava trabalhando em outro estado.
Portanto, ela pretendia procurar se candidatar à Residência Médica na capital
daquele estado. Eu estava morando próximo da capital, a cerca de 50
quilômetros.
Tudo
parecia extremamente simples, como algumas vezes parece ser no planejamento.
Casa-se, muda-se se cursa a residência e pronto!
Parecia
tudo dentro do planejamento. Ela conseguiu a vaga em um grande hospital. Eu
continuaria residindo na cidade onde morava, que era de porte pequeno, e ela
passaria parte da semana no hospital.
Conceitualmente,
o residente de medicina é utilizado como mão de obra barata, de forma a que a
expressão “residente” tem um sentido muito amplo.
Ou
seja, minha então esposa, praticamente morava no hospital e, quando conseguia,
vinha para casa a cada duas semanas.
Como
disse acima, eu não acreditava mais em cegonhas, e achava sexo algo natural e
saudável, além de prazeroso.
Achava
que iria começar a vida de casado “tirando o atraso”. Mas uma daquelas falhas
de planejamento me deixou “na mão”.
Ela
raramente vinha para casa, eu ia para a capital nos finais de semana. As
colegas de hospital ficavam com pena de nós, e deixavam um dos alojamentos para
que dormíssemos juntos.
Mas
parecia uma conspiração do universo.! Quando começava a “rolar alguma coisa”,
tocava o telefone chamando a Doutora na emergência. A brochada era instantânea,
quase na velocidade da luz.
Depois
do atendimento, obviamente não rolava mais nada. E dormíamos a noite toda como
amiguinhos.
Mas
como eu já havia dito, sempre soube ser paciente, insistente, persistente,
insistente, ou algo parecido.
“Não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe!”
(ditado popular)
No
planejamento é tudo simples! Basta aguardar a residência médica terminar e
pronto! Tudo entra nos eixos. Era questão apenas de se aguardar por três anos e
tudo se revolveria.
Confesso
que aqueles anos pareciam ir além dos tais trezentos e sessenta e cinco anos
regulamentares. Mas eu sempre repetia para mim mesmo o provérbio acima citado.
Mas
acho que outro provérbio me visitava; aquele tal provérbio árabe: “uma mentira repetida mil vezes se torna
verdade”.
E
após 3 longos anos ela passou a morar em casa. Montou um consultório na cidade
e julguei que tudo iria “entrar nos eixos”.
Eu já
começava a elaborar a teoria do ineditismo. Eu talvez fosse o primeiro sujeito
a querer transar com a própria esposa! Mas a teoria logo vinha abaixo, uma vez
que se tal fosse verdade, teria sido motivo de publicação na revista científica
Nature! Como eu nunca havia sido procurado por um pesquisador, o ineditismo não
ocorrera. E eu dava por certo que transar era normal, ainda mais entre marido
em mulher.
Estranhamento
a frequência sexual era assustadoramente próxima de zero. Eu procurava entender
o motivo. Como não conseguia explicação, resolvi questionar eça sobre o motivo.
A
resposta parecia aceitável: “é que você me procura na hora errada!”.
Botei
meu raciocínio lógico para funcionar; imaginei um gigantesco relógio numerado
de 1 a 24, com um ponteiro de formato fálico girando. Bastaria eu ir tentando
até achar a tal hora mágica, e, pimba!
Evidentemente
hoje eu me sinto ridículo quando me recordo da estratégia. A pesquisa abrangeu
praticamente todas as horas possíveis do relógio e nada! Continuava tudo no
“zero a zero”. É vergonhoso dizer, mas insisti por meses nesta tentativa. Não
vou dizer que foi de toda infrutífera. Chegou a quase 10 em um ano. Bem, melhor
do que nada!
Imagine
que cheguei a dar umas escapadas do serviço e ir procurar ela no consultório
para ver se rolava algo! Mais furos n’água!
Quando
começamos a discutir sobre termos filhos, a chama reacendeu! Como a hipótese
ornitológica não mais valia, somente a sexual seria o caminho. Então as coisas
iriam “entrar no eixo”.
Passaram-se
vários meses e nada de engravidarmos. Não me esqueço de um casal amigo onde ao
comentarmos a não gravidez, o marido do casal falou “vocês já experimentaram
transar?”. Obviamente aquilo me doída por dentro, pois a frequência era sub
infra baixa. E eu sabia que cegonha não resolvia mesmo!
Ela resolveu
consultar uma ginecologista na capital. Ela falou em se pesquisar a temperatura
basal[3],
para conseguirmos engravidar. Eu comemorei, pois iria transar com “receita
médica”.
Não
posso dizer que a frequência não tenha aumentado. Ela chegou a quase 3 em um
mês. Em termos comparativos podemos dizer que praticamente triplicou.
Evidentemente com esta ótica parece “doer menos”.
Graças
ao termômetro, acabamos engravidando. Durante a gravidez, aquela frequência que
havia aumentado, sofreu abrupta queda, em função de se estar grávida.
Eu vi
com naturalidade a explicação, e pensei: “daqui a nove meses passa!”. E se
passaram os tais nove meses. Eu, dentro do meu planejamento paciente, aguardei
ansiosamente.
Passado
o período do “recesso”, nasceu minha primeira filha, uma menina linda que
preencheu muitos dos meus dias. Na fase inicial, as crianças requerem um
cuidado redobrado, de forma que o período de “não frequência” continuou por
mais cerca de dois anos.
Justamente
aí, se pensou em planejar outra gravidez. De antemão eu sabia que para tal
seria necessário transar. Aplaudi de pé!
Mas
parece que o saber anterior foi substancialmente útil e em poucas tentativas a
gravidez ocorreu e as ocorrências novamente escassearam.
Passado
o período aproximado de 40 semanas e tudo recomeçou. As expectativas também.
Já
havíamos mudado de estado duas vezes e agora estávamos morando em uma cidade do
interior novamente. Pulei propositadamente alguns anos, uma vez que se não o
fizesse estaria sendo demasiadamente repetitivo.
Foi
nesta época em que na empresa onde eu trabalhava, havia um colega de trabalho
que estava recém-casado em a esposa ficava residindo em uma cidade a cerca de
400 quilômetros de distância. Ele morava
em uma república e ia para casa nos finais de semana.
Recordo-me
de uma vez em que este colega disse na sala “aqui nesta cidade o número de mulheres bonitas aumenta de segunda a
quinta feira!”
A
minha resposta foi “cara, o seu controle
de qualidade é que vai baixando!” Engraçado que somos conscientes de nossa
situação, mas somente a vemos nos outros.
Acho
que foi desta época que comecei a fazer piada da situação da frequência
declinante, quase inexistente.
Eu
achava que fazendo piada, eu iria rir e esquecer o que acontecia. Em tese,
parece uma solução boa. Parece doer menos. Tentamos imaginar que dói nos
outros.
Foi
nesta época que ouvi uma piada emblemática:
“Havia um pai que tinha dois filhos gêmeos. Mas ele era muito pobre e no
aniversário deles não tinha como comprar presentes para os dois. Como eles
tinham temperamento diferente, um era otimista e o outro pessimista, ele bolou
uma solução. Daria para o pessimista uma bicicleta e para o otimista uma lata
de esterco.
Assim feito, no dia seguinte os dois irmãos se encontraram e
o otimista perguntou ao pessimista o que ele havia ganho:
-Eu ganhei uma bicicleta, mas sei que vou cair, quebrar o
braço, me ralar todo..... E você?
-Eu ganhei um cavalo, você viu ele por aí?”
Desnecessário
dizer que eu me enxerguei no irmão otimista! Eu vinha há anos aguardando a
alteração do padrão sexual e nada ocorria. Achei que a minha persistência vinha
se confundindo com ingenuidade. Vinha passando “recibo do otário” no me
entender.
Mas
otário ou não, eu vinha insistindo. Bolava programas a dois e saídas, jantares,
procurando criar um clima e nada! Eu fazia piadas interiores onde eu era
incluído no Guinness, o livro dos recordes.
Faço
aqui uma pequena digressão: uma vez eu, minha esposa e um casal amigo, fomos
conhecer a cidade de Ouro Preto. Na entrada da cidade havia uma “manada” de
meninos se oferecendo para ser guia. Como percebi que não dava para escapar,
peguei um guia. Com o tempo percebi que ele só sabia as respostas para
determinadas perguntas previamente decoradas. Comecei a evitar questionamentos
e aguardar ele apresentar tudo.
Ao
final da visita ele pediu para conversar reservadamente comigo. Achei que ele
iria querer uma gorjeta além do combinado. Mas qual não foi a minha surpresa
quando ele disse:
“Meu tio, eu gostei muito do Senhor e queria
lhe vender um pedaço da corda que enforcou o Tiradentes, que eu tenho lá em
casa.”
Obviamente
eu não comprei. Mas quando encontrei minha esposa e o tal casal, perguntei de
pronto: “está escrito otário na minha
testa? Podem ser sinceros, não vou me ofender!” Eles não entenderam nada,
ainda mais que eu passava a mão na testa como se quisesse apagar algo escrito
lá. Quando expliquei o ocorrido, todos riram. Eu, no fundo fiquei foi ofendido
pelo fato de o garoto ter me achado com cara de otário para acreditar na sua
história.
Agora
explico o motivo para a digressão: eu continuava insistindo, e, pior, constantemente.
Até um dia em que a ela, argumentou com uma similaridade científica invejável:
“Sabe, eu fiz um levantamento e descobri
que praticamente ninguém transa!”
Imediatamente
me recordei do episódio de Ouro Preto. Eu me senti sendo tratado por otário,
deliberadamente, descaradamente otário. Eu não argumentei nada, de tão
atordoado que fiquei.
Recordei-me
do tal provérbio árabe contado pela minha avó. Bem, se mentira repetida mil
vezes se torna verdade, então, se eu repetir mil vezes que ninguém transa, e
passo a acreditar como verdade, então fica tudo bem, eu não me sinto mais mal
com a situação.
Acho
que já estava lá pela milésima repetição quando em uma festa aconteceu uma
situação inusitada, motivada por mim.
Vou
tomar a liberdade de outra digressão. Sempre ouvi um dito popular que diz “se a
montanha não vem até Maomé, então Maomé vai até a montanha”.
Explicando:
como eu não conseguia subir até a média mundial de frequência sexual, então eu
poderia gerar uma conspiração onde a média mundial descesse até a minha, e
ficaria tudo bem!
Acho
que em um ato de desespero, eu falei em frente a um grupo de amigos “a atividade sexual está praticamente
desaparecendo da espécie humana!”. Todos me olharam, senti que alguns
queriam rir, outros procuravam ver se eu estava bêbado. A situação foi tão
constrangedora, que me recordo da cara de todos que lá estavam.
Para
poder criar um acreditar na afirmação ouvida, eu teria de reviver a hipótese
ornitológica, que tantos anos havia levado para sepultar.
Percebi
que não adiantava eu chegar na milésima repetição, que sempre haveriam
referenciais da minha frustração de fundo sexual.
Esperar
que a média mundial descesse até o meu patamar era sonhar demais. Eu já vinha
apresentando sinais de frustração perceptíveis. Me recordo que uma fez uma
senhora que fazia faxina em casa comentou que haviam arranhões no encosto da
cama de casal. Felizmente tínhamos gatos em casa e os bichanos levaram a culpa
toda. Ainda bem que ele não comentou que os arranhões eram de um único lado. E
nem reparou as minhas unhas gastas.
Foi
nessa época que ouvi pela primeira vez a expressão “beliscar azulejos”, que
passei a usar como referencial imaginário para a minha situação. Ela não
melhorava a situação, mas ficava parecendo algo engraçado. As estatísticas eram
totalmente desfavoráveis, mas era uma maneira de eu tentar tirar meu foco da
questão.
Vou
fazer agora uma digressão em relação ao futuro. Após a minha separação, depois
de mais de duas décadas de casado, conversando com um padre que havia
conhecido, ele me questionou sobre os motivos da separação, e perguntou se a
atividade sexual havia influenciado.
Eu
respondi que entendia ser um fator que influenciou. Ao que ele me perguntou
sobre a frequência. Eu falei remotamente sobre o número 3. Ele respondeu que
para algumas pessoas 3 vezes na semana parecia pouco. Eu expliquei para ele que
a base de cálculo era outra. Antes que ele falasse em mês, eu já fui direto e
disse no penúltimo ano este tinha sido o teto no período de 365 dias. E em
seguida que no ano seguinte, a frequência tinha caído mais 3 pontos.
Ele fez
um olhar incrédulo e mudou de assunto. Fiquei um tanto chateado, pois ou fazia
papel de otário ou de mentiroso. Senti que minha situação era digna de
descrédito.
Isso
me fez recordar de uma piada: ”Sabe qual
o lado irônico de pegar AIDS da própria esposa? Todo mundo vai achar que você é
veado, mas só você vai saber que você é corno!”
Só eu
sabia que não era mentira. Havia uma dicotomia perversa: ou eu passava por
mentiroso ou por otário. Nenhuma das duas interpretações se enquadrava no
quadro de elogiosa.
Não
me recordo exatamente a data, mas houve uma vez que diante de uma insistência
quase desesperada, ouvi “Poxa vida, você não se lembra? Nós transamos ontem!”.
A
insistência parou de pronto, a brochada foi instantânea. Uma discreta vontade
de relinchar me visitou.
A
frequência era tão ínfima que eu me lembrava de cada evento! Imagine se eu não
iria me recordar se tivesse transado na véspera!
Parecia
que eu estava novamente em Ouro Preto!
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