Um no cravo e outro na ferradura! Pra dizer a verdade,
nunca entendi direito o significado deste dito popular. Talvez por não ter sido
citado por minha avó materna.
Mas parece indicar o uso de argumentos diversos ou
dúbios. Mas isto não vem ao caso no momento. Alguns dias atrás foi o tal de
Réveillon. Era um dia 31 de dezembro que rotineiramente volta e tenta ajudar a
vender roupa branca. O comércio agradece!
Estava eu conversando com uma amiga, "by net", e ela me
deu a receita de um suco voltado para sanar anemia. Seria “tiro e queda”! O
marido dela havia tomado quando fazia quimioterapia e teria funcionado de forma
substanciosa.
Em casa estamos passando por um processo semelhante
com uma parente, que vem passando por seções de quimioterapia. Quando comentei
com esta amiga, ela me passou a tal receita, que envolvia laranja, couve,
beterraba e fígado de galinha, tudo batido no liquidificador e coado em pano.
Eu me entusiasmei, como se tivesse estado diante de
uma “epifania”[1].
Tão loco cruzei com minha esposa fui contar a receita que havia sido passada a
mim. Logo que “dei a primeira no cravo”, “levei uma na ferradura”.
“Você não sabe que ela não pode comer laranja?”. De
pronto, abaixei as orelhas, até me sentindo meio asno, por não saber que quem
faz quimioterapia não pode “tomar nada cítrico” (usando as palavras ouvidas). Minha
primeira reação foi de me questionar pelo fato de não ter consultado primeiro
no “oráculo googleano” se podia ou não laranja. Mas aquelas sinapses produtivas
que acionam a memória, me levaram a um passado recentíssimo, onde a receita me
foi passado para o caso justamente de quimioterapia!
A minha primeira conclusão foi a de que “existem
quimioterapias e quimioterapias!”, de tal sorte de que haveria um tipo “laranjofílico”
e outro “laranjófobo”. E a tal amiga desconhecia tais diferenciações. De
qualquer forma louvei a dica e deixei registrado que se fosse passar a receita
adiante, consultaria primeiro sobre eventual “incompatibilidade cítrica”.
O tal do trinta e um passou com suas rotinas
tradicionais, finalizando com uma ceia de passagem de ano. Evidentemente a
parente que esta a fazer quimioterapia não poderia beber nada alcoólico. Pelo
menos isto passava pelo meu imaginário.
Minha esposa serviu para ela uma garrafa de suco de
laranja Xandó! Cito a marca não como marketing, mas para demonstrar que uma
eventual alucinação pode ser completa; muito além do que possa supor um vã
processo alucinatório genérico!
A cena parecia real. Tinha todo um arcabouço de
realidade. Eu até toquei na garrafa e comentei vagamente algo sobre o produtor
do suco, coisa e tal. A cena em si tinha tudo para ser real.
Bem, em sendo real, a ocorrência da “censura cítrica”
teria sido, então, uma alucinação! Simples assim! Se um era o real o outro
seria o imaginário! Eventualmente, em um processo alucinatório múltiplo (não
sei se existe, mas seria bem o caso), os dois eventos seriam alucinação, de tal
sorte que eu teria passado um período de cerca de 12 horas em processo
alucinatório!
Relembrei fatos outros passados durante este período.
E pareciam todos reais! Teria sido um processo de “alucinação realística”?
Fiquei com uma pulga de proporções incômodas atrás da
orelha. Tanto que quando fui dormir, fiquei analisando os fatos. Resolvi partir
do princípio que não teriam sido duas alucinações conectadas em seu conteúdo.
Imaginei que pudesse ser um processo onde uma
alucinação (a segunda) fosse compensatória em relação ao primeiro fato, que
teria sido o gerador de um processo de frustração!
Mas justamente o segundo ocorrido contava com detalhes
e requintes que pareciam conduzir a uma percepção de realidade!
Se tentarmos inverter a situação, eu corria sério
risco de em outro contato com a tal amiga eu ficar tentado e checar se nossa
conversa tinha realmente ocorrido. É uma risco que se corre! Mas como me
recordei que ela já havia comentado da tal receita em ocasiões anteriores,
achei prudente não “creditar na coluna de alucinações”.
Fiquei na dúvida de qual teria sido a alucinação. Fiz
conjeturas sobre as duas hipóteses básicas e mais a terceira do duplo evento
alucinatório!
Como não conseguia me decidir por uma hipótese como
mais adequada, me passou no processo construtivo a possibilidade de ambos os
eventos serem reais!
Senti um calafrio correndo o corpo. Achei mais
prudente ligar a televisão como o timer, fechar os olhos e dormir. Felizmente
não me lembrei no dia seguinte do que teria sonhado naquela noite!