Acho
que muitos devem se recordar de uma sério de histórias em quadrinhos chamada
“Amar é ....”, onde um casal definia situações onde se procurava definir o que
é amar.
Dentro
da vertente lúdica que busquei para manter a lucidez, ou o que sobrou dela,
criando uma série chamada “ser otário é...”.
Anteriormente
já disse que havia criado a “otarimicina”, que seria um componente detectável
no sangue, de forma a se medir o tanto de otário que uma pessoa seria.
Este
nível poderia variar de “traços”, a valores espantosos, onde no primeiro caso,
poderíamos situar aquele que praticamente não faz papel de otário, até aquele
que podemos chamar de “otário praticante”.
Infelizmente
não consigo me situar nas proximidades do primeiro grupo, visto que meu
histórico de vida não aponta baixa frequência no papel em questão.
Com
esta mesma visão lúdica, sempre procurei criar interpretações engraçadas, que
permitissem o alívio da dor interior que se sente quando se faz papel de
otário. Ao menos não dói muito quando imaginamos a situação como a cena de um
filme. Rimos da situação, até que nos damos conta de que somos o ator principal
da trama.
Me
recordo de um cartoon de um desenhista onde o personagem entra em um pavilhão
de espelhos e fica rindo diante da reflexão deformada de sua imagem, ora sendo
gordo, ora magro, ora torto. Até que na saída da sala, ele se depara com um
espelho plano; momento em que toma consciência de que ria de si próprio.
Pois
é, como costumo dizer, só dói quando eu respiro!
Dentro
desta atitude auto protetiva de fazer piada, criei o “Troféu Otário Padrão[1]”,
para premiar aqueles que se distinguiram na condição de otário em vários
segmentos sociais.
Obviamente
quando imaginei a premiação, já me vi recebendo, ainda em tenra idade, na
categoria “otário prodígio”, em função da “Teoria ornitológica” que eu defendi
com unhas e dentes até por volta de 12 anos de idade. Pode parecer que este
episódio me marcou. Não, não parece, marcou mesmo, e muito. Nunca lidei bem com
isso. Acho que dá para uns trinta anos de terapia
Brincava
imaginariamente ainda com a criação de uma associação internacional de otários.
Seria o “Otary Club[2]”,
onde como nos moldes da Mensa[3],
onde somente poderiam ser aceitos, aqueles que comprovassem ter “habilidades
otáricas” que o diferenciassem da massa.
Sempre
me imaginei recebendo o troféu, que nunca defini a forma. Hoje, avaliando, bem
que poderia ser um pedaço de corda! Para combinar com a tentativa que houve de
me venderem um pedaço de corda que teria enforcado o Tiradentes. Talvez uma
lata cheia de esterco, ofereceria um design adequado.
Mas,
a forma em si não tem importância. O fato é que eu seguramente figuraria entre
os premiados. Infelizmente, com certa frequência.
Os
premiados seriam matéria de capa em uma publicação chamada “Otários em
Revista”, que seria nos mesmos moldes da revista Caras ou outras similares.
Sempre procurando causar inveja ao que não conseguiram aparecer na publicação. Poderíamos
penar, inclusive, em uma matéria anual na “Ilha dos Otários[4]”,
onde os convidados fariam merchandising grátis de diversos produtos.
Ser
otário é .... votar em quem a televisão mandar!
Neste
quesito, olhando pela ótica da especialização, quase aparece uma “mancha” na
minha “capivara[5]”.
Quando da eleição de Fernando Collor de Mello, eu não votei nele!
Inteligência?
Não sei. Talvez um “acesso de lucidez”! Afinal ninguém é otário o tempo todo.
Ao menos eu assim imagino.
Meses
antes das eleições, a televisão (notadamente a Rede Globo) apresentava um jovem
governador do estado de Alagoas, que havia ficado com fama de “caçador de
marajás”, em função de sua cruzada contra os autos salários pagos em diversas
autarquias e repartições públicas em seu estado. Não que fosse uma
característica única local. Sempre foi praga que se alastrou por todo o país.
Mas
parece que havia alguém disposto a “cortar o mal pela raiz”. Me recordo de que
quando assistia as matérias na TV, eu imaginava “é de um presidente como este
que o país precisa!”. (Eu ganhei um cavalo, você viu ele por aí?)
Quando
ela apareceu como candidato eu comecei a achar que o país tinha jeito! Vibrei e
fiquei esperando o dia para escolher aquele candidato.
Mas,
sabe aquele ditado popular “é bom demais para ser verdade”? Acho que foi o que
aconteceu comigo. E na reta final, mudei meu voto. E deu no que deu, com cerca
de dois anos de mandato, ele foi “convidado a se retirar”.
Ao
menos eu podia dizer que não havia sido responsável!
Engraçado
como ao se escrever, vão retornando fatos ocorridos que marcam bem a imagem de
quem com regular frequência fez papel de otário.
Acho
que uma das principais características de um bom otário é a sua credulidade.
Neste quesito, acho que sempre fui bastante crédulo. Eu sempre tive o hábito de
achar que o que as pessoas falaram é o que elas falaram. Sempre fui partidário
da coerência. Ou seja, sempre achei que deveria prestar contas do que eu disse.
Cito
um caso de um período que fui sócio de uma loja de produtos de informática.
Placas de rede, ainda eram novidade. Havia uma marca famosa e as que chamávamos
de “xing ling”, ou seja genéricas “made in China”.
Um
dia um cliente me perguntou o preço de placa de rede. Eu simplesmente olhei na
listagem de preços e falei o preço. Eu tinha pego o preço de uma placa “xing
ling” e a que estava na vitrine era uma “de marca”.
No
mesmo dia o cliente voltou querendo comprar a placa. Quando me dei conta do
erro (a de marca custava o triplo), como me recordava do que eu havia dito,
vendi a placa “genérica” pelo preço da “de marca”, como forma de honrar o que
eu havia dito.
Recordo
que alguns colegas da época acharam que fiz papel de otário ao honrar o que eu
havia dito. Bem, tive prejuízo, talvez isso fosse um indicativo de que eu
deveria ter enrolado o cliente, o tanto quanto fosse possível.
Esta
situação de acreditar é emblemática. Certa vez, procurei uma pessoa, bastante
influente. Fui conversar com ele e disse,
vim aqui te “mostrar a bunda! Estou precisando de ajuda para voltar a dar aulas
e como sei que você é bem relacionado, vim pedir a sua ajuda!”.
A
pessoa, que eu conhecia de longa data, se apresentou bastante solícita. Ele
inclusive me disse que eu deveria mandar o meu Currículo para o e mail dele,
para que eu nem tivesse despesas para imprimir. Fiquei, claro, feliz com a
empatia encontrada. Na mesma noite mandei o currículo para ele.
Passado
um mês, fui procura-lo para ver se tinha conseguido algum contato. Ele me disse
que não tinha tido tempo. Eu me censurei pela ansiedade (eu sentia fortes dores
no órgão sensível – o bolso) e fui embora. Não querendo ser rotulado de
ansioso, esperei mais 3 meses e voltei para consultar a tal. Fui informado que
ainda não havia tido tempo.
Não
querendo atrapalhar o tempo da pessoa, decidi tomar uma medida “protetiva”.
Aguardei por mais seis meses e voltei. A resposta foi a mesma.
Na
oportunidade, quando saí do local onde ele trabalhava, passei por uma praça bem
cuidada. Fiquei com medo de correr para ficar de quatro comendo grama. Sentia
uma estranha vontade de relinchar.
Nesta
mesma linha da credulidade, quando da minha separação (descarte e substituição,
não necessariamente nesta ordem), foi dado como motivo, que minha então esposa
havia descoberto que não servia para conviver com ninguém. Eu achei o argumento
inatacável. Só estranhei ela haver levado pouco mais de duas décadas para
descobrir.
Eu
falei para ela que gostaria de poder entender melhor o que tinha havido. Ela
concordou e disse que mais para frente conversaríamos. A gente se separava e
conversava depois. Apesar de parecer uma lógica reversa, eu concordei.
Esperei
dois ou três meses pelo contato, e como o mesmo não ocorreu, achei que deveria
tomar a iniciativa do diálogo. Liguei para ela e expliquei do que se tratava.
Fui informado que não havia nada que se conversar! Ainda argumentei que
havíamos acordado de conversarmos posteriormente. Ela disse se recordar (fiquei
feliz por não ter sido uma alucinação), mas disse que da parte dela não havia o
que conversar. Eu mesmo tomei a inciativa de desligar o telefone.
Evitei
olhar para algum espelho, pois sabia que não iria gostar da imagem.
Se
for descrever todos os casos onde pequei pela credulidade, estaria entrando em
uma rotina redacional interminável, com umas poucas exceções.
Estranhamente,
nunca fui de acreditar em liquidações! Mesmo não sendo ético, eu chegava a
quase rir das pessoas que acreditavam que estavam comprando produtos com 90% de
desconto (ou off, que fica mais chique).
Meu
primeiro emprego foi como vendedor em uma loja de sapatos. Eu tinha um salário
um pouco abaixo de irrisório, e deveria faturar o resto com comissão das
vendas.
Nos
primeiros tempos eu me empenhava em atender ao que o cliente ou a cliente
queria. Desnecessário dizer que meus ganhos eram parcos. Havia um vendedor bem
antigo que era o vendedor mais experiente da loja. Acho que por solidariedade
misericordiosa, resolveu me dar “dicas” de como vender mais. Aprendi a contar
histórias do tipo “este sapato está com este preço por engano do gerente, ele
custa o dobro!.
Eu
não me sentia bem inventando aquelas histórias, mas consegui elevar os meus
ganhos. Algumas vezes o tal vendedor experiente me dizia “olha lá, novato, ali
é pato bom[6],
vai lá depenar ele!”.
Isto
me faz recordar de uma piada sobre corretor de imóveis:
Um sujeito procura um
corretor para comprar uma casa. O corretor lhe apresenta uma casa que o
interessado gostou. Quando pergunta o preço, se assusta: um milhão de reais!.
O corretor justificou:
fica ao lado de uma escola, seu filhos não vão precisar de transporte, tem uma
delegacia na rua, a sua família vai estar segura e tem feira na porta, de forma
que sempre vai poder contar com produtos fresquinhos.
Alguns meses depois, o
proprietário, que havia adquirido o imóvel precisa se mudar de cidade e chama o
mesmo corretor para intermediar. Ele avalia a casa em quinhentos mil reais, a
metade do valor pelo qual havia negociado o imóvel.
Ele (o corretor)
justificou: tem escola ao lado e as crianças vivem fazendo bagunça na rua, está
perto de uma delegacia e sempre passam criminosos na porta e, finalmente, tem
feira na rua, que deixa tudo imundo!
Sempre
tive dificuldades em dar crédito a quem quer vender algo.
Igual
situação com solicitação de contribuição para entidades que prestam
assistência. Numa cidade onde morei, havia um sujeito que rotineiramente
passava para pedir contribuições para um tal “Instituto de Cegos Santa Luzia”.
Como na cidade havia uma instituição com este nome, a minha esposa costumava
contribuir. Uma vez, perto do final do ano, a pessoa passou com diferença de
cerca e duas semanas, pedindo nova contribuição. Eu atendi e comentei o fato da
proximidade da visita. Ele me explicou que era por causa de ser época do décimo
terceiro salário. Eu simplesmente virei as costas e entrei. Quando minha esposa
voltou eu comentei o fato. Foi só aí que ela reparou que no recibo da tal
instituição estava um endereço de outra cidade, da Capital.
Na
minha primeira viagem para a tal cidade, fui procurar o endereço. Claro, não
havia a instituição. Foi uma espécie de alívio perceber que como otário, eu não
estava só no mundo.
Mais
recentemente recebi um telefonema pedindo contribuição para uma entidade que não
me recordo o nome. A telefonista me explicou que eu havia sido “selecionado
para poder contribuir” com a tal entidade. Por alguns segundos cheguei a achar
que se tratava de uma alucinação. Educadamente desliguei o telefone para a
“alucinação” passar.
Como falei
anteriormente, fui escoteiro na infância. No escotismo, costumamos dizer “uma
vez escoteiro, sempre escoteiro!”. Sempre gostei de alguns princípios do
movimento e uma vez, já “otário adulto”, resolvi provar que o escotismo era
realmente para todos, e não somente para os garotos e garotas de classe média
que eu via serem atendidos.
Resolvi
fundar um grupo dentro de uma favela. Queria mostrar que poderíamos fazer a
diferença para aqueles jovens que eu chamava de PPP (portadores de precariedade
pecuniária). Claro, para entrar na favela, precisei falar tanto com “Deus”,
como com o “Diabo”, na verdade, mais com o segundo.
Acho
que meu lado de insistente foi válido, pois toquei o grupo por cerca de três
anos, com a companhia de minha segunda esposa. Tentávamos levar as crianças
para atividades externas, mas quase sempre esbarrávamos numa limitação que
parecia insolúvel. A maioria das crianças não tinham recursos sequer para pagar
a passagem do ônibus.
Chegamos
a participar de algumas atividades
externas, mas não de forma incólume. Recordo-me que em uma atividade ouvi de
uma criança o comentário “aqueles ali são os favelados”.
Entendo
que este comentário não deve ter nascido na boca de uma criança. Ela devia
estar apenas repetindo o que ouviu de um adulto.
Em um
determinado momento, haveria um acampamento estadual. E que queria levar as
nossas crianças para participar. De
antemão sabia que o custo estava muito acima das possibilidades deles. Mas
havia um fundo que custeava até a metade das despesas da atividade. Eu sabia
que as nossas crianças teriam este apoio. Elas precisavam “somente” da outra
parte.
Fui
buscar patrocínio em empresas de grande porte. Em uma delas precisei ouvir,
depois de expor o projeto “deixa ver se eu entendi, você quer dizer que são
todos favelados?”.
A
conversa acabou logo ali e no dia seguinte recebi a resposta, que aquelas
crianças não se enquadravam no perfil que aquela empresa consumava ajudar.
Recordo-me
que desliguei o telefone com a dúvida se ser pobre seria um crime, ou já era o
castigo.
O que
mais me doía, é que tinha ouvido de uma menina que fazia parte do grupo: “toda
vez que eu varro o bar da minha madrinha, ela me dá um real. Vou ajuntar para
poder ir acampar.” Em sua ingenuidade infantil, ela não tinha se apercebido que
precisaria varrer o bar 120 vezes, ou seja diariamente por quatro meses.
Confesso
que não segurei as lágrimas ao contar para aquelas crianças que eu tinha
fracassado na missão de obter patrocínio para o acampamento deles.
Depois
desse fracasso, “perdi o rebolado[7]”,
e fui desanimando até desistir do projeto. Tive de “botar o rabo no meio das
pernas” e admitir que aquelas crianças não eram iguais às outras que eu
conhecia no escotismo!
É
altamente frustrante quando você não consegue comprovar suas próprias crenças! (vide
o caso da cegonha que eu não consegui comprovar)
A
ideia de um grupo escoteiro para carentes vinha desde o tempo que ouvi um chefe escoteiro dizendo: “você tem de
valorizar o jovem que se esforçou e
foi para o Jamboree[8]
na Tailândia.”.
Eu
dizia para o tal chefe que eu deveria realmente valorizar aquele jovem que foi
no acampamento pois ele tinha cinco mil dólares para isso! Isto sim era o valor
dele!
Claro,
me recordava dos acampamentos que deixei de ir, na minha infância, por não
conseguir obter os recursos necessários. E aquilo me fazia sentir menos
escoteiro que os demais!
[1]
A brincadeira é com o Troféu Operário Padrão, que era oferecido para operários
da indústria, patrocinado pelo Jornal O Globo. Tinha como sub título “modelo na
família e na sociedade”.
[2]
Brincadeira com o nome do Rotary Club, sem qualquer conotação desrespeitosa com
a entidade.
[3]
Mensa é uma associação internacional de super dotados. Até onde sei somente são
aceitos como associados, pessoas com QI acima de 130.
[4]
Referência à Ilha de Caras, da revista Caras.
[5]
A expressão “capivara” é uma gíria para ficha criminal.
[6]
A expressão pato bom era para indicar um potencial cliente altamente
sugestionável.
[7]
Expressão popular para desanimar.
[8]
Jamboree é um acampamento internacional realizado a cada quatro anos, sempre em
um país diferente.
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