segunda-feira, 23 de setembro de 2013

7 - Ser otário é .....

Acho que muitos devem se recordar de uma sério de histórias em quadrinhos chamada “Amar é ....”, onde um casal definia situações onde se procurava definir o que é amar.
Dentro da vertente lúdica que busquei para manter a lucidez, ou o que sobrou dela, criando uma série chamada “ser otário é...”.
Anteriormente já disse que havia criado a “otarimicina”, que seria um componente detectável no sangue, de forma a se medir o tanto de otário que uma pessoa seria.
Este nível poderia variar de “traços”, a valores espantosos, onde no primeiro caso, poderíamos situar aquele que praticamente não faz papel de otário, até aquele que podemos chamar de “otário praticante”.
Infelizmente não consigo me situar nas proximidades do primeiro grupo, visto que meu histórico de vida não aponta baixa frequência no papel em questão.
Com esta mesma visão lúdica, sempre procurei criar interpretações engraçadas, que permitissem o alívio da dor interior que se sente quando se faz papel de otário. Ao menos não dói muito quando imaginamos a situação como a cena de um filme. Rimos da situação, até que nos damos conta de que somos o ator principal da trama.
Me recordo de um cartoon de um desenhista onde o personagem entra em um pavilhão de espelhos e fica rindo diante da reflexão deformada de sua imagem, ora sendo gordo, ora magro, ora torto. Até que na saída da sala, ele se depara com um espelho plano; momento em que toma consciência de que ria de si próprio.
Pois é, como costumo dizer, só dói quando eu respiro!
Dentro desta atitude auto protetiva de fazer piada, criei o “Troféu Otário Padrão[1]”, para premiar aqueles que se distinguiram na condição de otário em vários segmentos sociais.
Obviamente quando imaginei a premiação, já me vi recebendo, ainda em tenra idade, na categoria “otário prodígio”, em função da “Teoria ornitológica” que eu defendi com unhas e dentes até por volta de 12 anos de idade. Pode parecer que este episódio me marcou. Não, não parece, marcou mesmo, e muito. Nunca lidei bem com isso. Acho que dá para uns trinta anos de terapia
Brincava imaginariamente ainda com a criação de uma associação internacional de otários. Seria o “Otary Club[2]”, onde como nos moldes da Mensa[3], onde somente poderiam ser aceitos, aqueles que comprovassem ter “habilidades otáricas” que o diferenciassem da massa.
Sempre me imaginei recebendo o troféu, que nunca defini a forma. Hoje, avaliando, bem que poderia ser um pedaço de corda! Para combinar com a tentativa que houve de me venderem um pedaço de corda que teria enforcado o Tiradentes. Talvez uma lata cheia de esterco, ofereceria um design adequado.
Mas, a forma em si não tem importância. O fato é que eu seguramente figuraria entre os premiados. Infelizmente, com certa frequência.
Os premiados seriam matéria de capa em uma publicação chamada “Otários em Revista”, que seria nos mesmos moldes da revista Caras ou outras similares. Sempre procurando causar inveja ao que não conseguiram aparecer na publicação. Poderíamos penar, inclusive, em uma matéria anual na “Ilha dos Otários[4]”, onde os convidados fariam merchandising grátis de diversos produtos.
Ser otário é .... votar em quem a televisão mandar!
Neste quesito, olhando pela ótica da especialização, quase aparece uma “mancha” na minha “capivara[5]”. Quando da eleição de Fernando Collor de Mello, eu não votei nele!
Inteligência? Não sei. Talvez um “acesso de lucidez”! Afinal ninguém é otário o tempo todo. Ao menos eu assim imagino.
Meses antes das eleições, a televisão (notadamente a Rede Globo) apresentava um jovem governador do estado de Alagoas, que havia ficado com fama de “caçador de marajás”, em função de sua cruzada contra os autos salários pagos em diversas autarquias e repartições públicas em seu estado. Não que fosse uma característica única local. Sempre foi praga que se alastrou por todo o país.
Mas parece que havia alguém disposto a “cortar o mal pela raiz”. Me recordo de que quando assistia as matérias na TV, eu imaginava “é de um presidente como este que o país precisa!”. (Eu ganhei um cavalo, você viu ele por aí?)
Quando ela apareceu como candidato eu comecei a achar que o país tinha jeito! Vibrei e fiquei esperando o dia para escolher aquele candidato.
Mas, sabe aquele ditado popular “é bom demais para ser verdade”? Acho que foi o que aconteceu comigo. E na reta final, mudei meu voto. E deu no que deu, com cerca de dois anos de mandato, ele foi “convidado a se retirar”.
Ao menos eu podia dizer que não havia sido responsável!
Engraçado como ao se escrever, vão retornando fatos ocorridos que marcam bem a imagem de quem com regular frequência fez papel de otário.
Acho que uma das principais características de um bom otário é a sua credulidade. Neste quesito, acho que sempre fui bastante crédulo. Eu sempre tive o hábito de achar que o que as pessoas falaram é o que elas falaram. Sempre fui partidário da coerência. Ou seja, sempre achei que deveria prestar contas do que eu disse.
Cito um caso de um período que fui sócio de uma loja de produtos de informática. Placas de rede, ainda eram novidade. Havia uma marca famosa e as que chamávamos de “xing ling”, ou seja genéricas “made in China”.
Um dia um cliente me perguntou o preço de placa de rede. Eu simplesmente olhei na listagem de preços e falei o preço. Eu tinha pego o preço de uma placa “xing ling” e a que estava na vitrine era uma “de marca”.
No mesmo dia o cliente voltou querendo comprar a placa. Quando me dei conta do erro (a de marca custava o triplo), como me recordava do que eu havia dito, vendi a placa “genérica” pelo preço da “de marca”, como forma de honrar o que eu havia dito.
Recordo que alguns colegas da época acharam que fiz papel de otário ao honrar o que eu havia dito. Bem, tive prejuízo, talvez isso fosse um indicativo de que eu deveria ter enrolado o cliente, o tanto quanto fosse possível.
Esta situação de acreditar é emblemática. Certa vez, procurei uma pessoa, bastante influente.  Fui conversar com ele e disse, vim aqui te “mostrar a bunda! Estou precisando de ajuda para voltar a dar aulas e como sei que você é bem relacionado, vim pedir a sua ajuda!”.
A pessoa, que eu conhecia de longa data, se apresentou bastante solícita. Ele inclusive me disse que eu deveria mandar o meu Currículo para o e mail dele, para que eu nem tivesse despesas para imprimir. Fiquei, claro, feliz com a empatia encontrada. Na mesma noite mandei o currículo para ele.
Passado um mês, fui procura-lo para ver se tinha conseguido algum contato. Ele me disse que não tinha tido tempo. Eu me censurei pela ansiedade (eu sentia fortes dores no órgão sensível – o bolso) e fui embora. Não querendo ser rotulado de ansioso, esperei mais 3 meses e voltei para consultar a tal. Fui informado que ainda não havia tido tempo.
Não querendo atrapalhar o tempo da pessoa, decidi tomar uma medida “protetiva”. Aguardei por mais seis meses e voltei. A resposta foi a mesma.
Na oportunidade, quando saí do local onde ele trabalhava, passei por uma praça bem cuidada. Fiquei com medo de correr para ficar de quatro comendo grama. Sentia uma estranha vontade de relinchar.
Nesta mesma linha da credulidade, quando da minha separação (descarte e substituição, não necessariamente nesta ordem), foi dado como motivo, que minha então esposa havia descoberto que não servia para conviver com ninguém. Eu achei o argumento inatacável. Só estranhei ela haver levado pouco mais de duas décadas para descobrir.
Eu falei para ela que gostaria de poder entender melhor o que tinha havido. Ela concordou e disse que mais para frente conversaríamos. A gente se separava e conversava depois. Apesar de parecer uma lógica reversa, eu concordei.
Esperei dois ou três meses pelo contato, e como o mesmo não ocorreu, achei que deveria tomar a iniciativa do diálogo. Liguei para ela e expliquei do que se tratava. Fui informado que não havia nada que se conversar! Ainda argumentei que havíamos acordado de conversarmos posteriormente. Ela disse se recordar (fiquei feliz por não ter sido uma alucinação), mas disse que da parte dela não havia o que conversar. Eu mesmo tomei a inciativa de desligar o telefone.
Evitei olhar para algum espelho, pois sabia que não iria gostar da imagem.
Se for descrever todos os casos onde pequei pela credulidade, estaria entrando em uma rotina redacional interminável, com umas poucas exceções.
Estranhamente, nunca fui de acreditar em liquidações! Mesmo não sendo ético, eu chegava a quase rir das pessoas que acreditavam que estavam comprando produtos com 90% de desconto (ou off, que fica mais chique).
Meu primeiro emprego foi como vendedor em uma loja de sapatos. Eu tinha um salário um pouco abaixo de irrisório, e deveria faturar o resto com comissão das vendas.
Nos primeiros tempos eu me empenhava em atender ao que o cliente ou a cliente queria. Desnecessário dizer que meus ganhos eram parcos. Havia um vendedor bem antigo que era o vendedor mais experiente da loja. Acho que por solidariedade misericordiosa, resolveu me dar “dicas” de como vender mais. Aprendi a contar histórias do tipo “este sapato está com este preço por engano do gerente, ele custa o dobro!.
Eu não me sentia bem inventando aquelas histórias, mas consegui elevar os meus ganhos. Algumas vezes o tal vendedor experiente me dizia “olha lá, novato, ali é pato bom[6], vai lá depenar ele!”.
Isto me faz recordar de uma piada sobre corretor de imóveis:
Um sujeito procura um corretor para comprar uma casa. O corretor lhe apresenta uma casa que o interessado gostou. Quando pergunta o preço, se assusta: um milhão de reais!.
O corretor justificou: fica ao lado de uma escola, seu filhos não vão precisar de transporte, tem uma delegacia na rua, a sua família vai estar segura e tem feira na porta, de forma que sempre vai poder contar com produtos fresquinhos.
Alguns meses depois, o proprietário, que havia adquirido o imóvel precisa se mudar de cidade e chama o mesmo corretor para intermediar. Ele avalia a casa em quinhentos mil reais, a metade do valor pelo qual havia negociado o imóvel.
Ele (o corretor) justificou: tem escola ao lado e as crianças vivem fazendo bagunça na rua, está perto de uma delegacia e sempre passam criminosos na porta e, finalmente, tem feira na rua, que deixa tudo imundo!
Sempre tive dificuldades em dar crédito a quem quer vender algo.
Igual situação com solicitação de contribuição para entidades que prestam assistência. Numa cidade onde morei, havia um sujeito que rotineiramente passava para pedir contribuições para um tal “Instituto de Cegos Santa Luzia”. Como na cidade havia uma instituição com este nome, a minha esposa costumava contribuir. Uma vez, perto do final do ano, a pessoa passou com diferença de cerca e duas semanas, pedindo nova contribuição. Eu atendi e comentei o fato da proximidade da visita. Ele me explicou que era por causa de ser época do décimo terceiro salário. Eu simplesmente virei as costas e entrei. Quando minha esposa voltou eu comentei o fato. Foi só aí que ela reparou que no recibo da tal instituição estava um endereço de outra cidade, da Capital.
Na minha primeira viagem para a tal cidade, fui procurar o endereço. Claro, não havia a instituição. Foi uma espécie de alívio perceber que como otário, eu não estava só no mundo.
Mais recentemente recebi um telefonema pedindo contribuição para uma entidade que não me recordo o nome. A telefonista me explicou que eu havia sido “selecionado para poder contribuir” com a tal entidade. Por alguns segundos cheguei a achar que se tratava de uma alucinação. Educadamente desliguei o telefone para a “alucinação” passar.
Como falei anteriormente, fui escoteiro na infância. No escotismo, costumamos dizer “uma vez escoteiro, sempre escoteiro!”. Sempre gostei de alguns princípios do movimento e uma vez, já “otário adulto”, resolvi provar que o escotismo era realmente para todos, e não somente para os garotos e garotas de classe média que eu via serem atendidos.
Resolvi fundar um grupo dentro de uma favela. Queria mostrar que poderíamos fazer a diferença para aqueles jovens que eu chamava de PPP (portadores de precariedade pecuniária). Claro, para entrar na favela, precisei falar tanto com “Deus”, como com o “Diabo”, na verdade, mais com o segundo.
Acho que meu lado de insistente foi válido, pois toquei o grupo por cerca de três anos, com a companhia de minha segunda esposa. Tentávamos levar as crianças para atividades externas, mas quase sempre esbarrávamos numa limitação que parecia insolúvel. A maioria das crianças não tinham recursos sequer para pagar a passagem do ônibus.
Chegamos a participar  de algumas atividades externas, mas não de forma incólume. Recordo-me que em uma atividade ouvi de uma criança o comentário “aqueles ali são os favelados”.
Entendo que este comentário não deve ter nascido na boca de uma criança. Ela devia estar apenas repetindo o que ouviu de um adulto.
Em um determinado momento, haveria um acampamento estadual. E que queria levar as nossas crianças para participar.  De antemão sabia que o custo estava muito acima das possibilidades deles. Mas havia um fundo que custeava até a metade das despesas da atividade. Eu sabia que as nossas crianças teriam este apoio. Elas precisavam “somente” da outra parte.
Fui buscar patrocínio em empresas de grande porte. Em uma delas precisei ouvir, depois de expor o projeto “deixa ver se eu entendi, você quer dizer que são todos favelados?”.
A conversa acabou logo ali e no dia seguinte recebi a resposta, que aquelas crianças não se enquadravam no perfil que aquela empresa consumava ajudar.
Recordo-me que desliguei o telefone com a dúvida se ser pobre seria um crime, ou já era o castigo.
O que mais me doía, é que tinha ouvido de uma menina que fazia parte do grupo: “toda vez que eu varro o bar da minha madrinha, ela me dá um real. Vou ajuntar para poder ir acampar.” Em sua ingenuidade infantil, ela não tinha se apercebido que precisaria varrer o bar 120 vezes, ou seja diariamente por quatro meses.
Confesso que não segurei as lágrimas ao contar para aquelas crianças que eu tinha fracassado na missão de obter patrocínio para o acampamento deles.
Depois desse fracasso, “perdi o rebolado[7]”, e fui desanimando até desistir do projeto. Tive de “botar o rabo no meio das pernas” e admitir que aquelas crianças não eram iguais às outras que eu conhecia no escotismo!
É altamente frustrante quando você não consegue comprovar suas próprias crenças! (vide o caso da cegonha que eu não consegui comprovar)
A ideia de um grupo escoteiro para carentes vinha desde o tempo que ouvi  um chefe escoteiro dizendo: “você tem de valorizar o jovem que se esforçou e foi para o Jamboree[8] na Tailândia.”.
Eu dizia para o tal chefe que eu deveria realmente valorizar aquele jovem que foi no acampamento pois ele tinha cinco mil dólares para isso! Isto sim era o valor dele!
Claro, me recordava dos acampamentos que deixei de ir, na minha infância, por não conseguir obter os recursos necessários. E aquilo me fazia sentir menos escoteiro que os demais!



[1] A brincadeira é com o Troféu Operário Padrão, que era oferecido para operários da indústria, patrocinado pelo Jornal O Globo. Tinha como sub título “modelo na família e na sociedade”.
[2] Brincadeira com o nome do Rotary Club, sem qualquer conotação desrespeitosa com a entidade.
[3] Mensa é uma associação internacional de super dotados. Até onde sei somente são aceitos como associados, pessoas com QI acima de 130.
[4] Referência à Ilha de Caras, da revista Caras.
[5] A expressão “capivara” é uma gíria para ficha criminal.
[6] A expressão pato bom era para indicar um potencial cliente altamente sugestionável.
[7] Expressão popular para desanimar.
[8] Jamboree é um acampamento internacional realizado a cada quatro anos, sempre em um país diferente.

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