domingo, 29 de dezembro de 2013

13 . Calores!

O treze costuma ser um número de sorte, ou azar, depende de quem o evento acontece. No meu caso tem sido indiferente. Em geral, independentemente do resultado do evento, eu acabo sempre “levando a pior”. É uma questão de hábito, como costuma dizer meu irmão.
Nesta semana, aconteceu algo relativamente engraçado, ou divertido, conforme quem estiver assistindo.
Sempre fui “bom de cama”. No bom sentido! Bem, a estas alturas, não sei definir exatamente qual seria o bom o mau sentido. Mas o que eu quero dizer é que é só eu me aproximar de um travesseiro que eu já durmo. Não necessariamente nesta ordem!

Semana passada fui instado a permanecer acordado após “o meu relê já ter caído”. Ou seja, já estava em estado adiantado de sono. E, creio que não estranhamente, tenho baixíssima produtividade sob o estado de sono. Acontece algo além da incapacidade quase total de concentração. Eu começo a transpirar abundantemente.
Eu sempre fui “bom” na transpiração. Acho que poderia até ser piloto de provas de uma fábrica de desodorantes. Não é qualquer um que “dá conta” do recado.  Sem um desodorante eficiente, eu não sou nada! Acho que se passasse um urubu, me chamaria de “primo”!
Eu passaria por uma situação de ser julgado pelo Fradinho baixinho do Henfil[1], que sempre achei genial, não só pela ironia, mas pela simplicidade do traço.
Mas voltando “à vaca fria”, ou ao otário sonolento, fui convidado a permanecer desperto além da minha capacidade de vigília, que é bem próxima de zero. Talvez até menos que isso.
Meu mecanismo de regulação térmica, que parece ser ligado com o do sono, disparou. Comecei a suar abundantemente. Eu sugeri manter a porta aberta ou até pegar um ventilador pois estava suando muito por causa do sono.
Tentei explicar que a vigília forçada me fazia transpirar. Como resposta ouvi: “isso não existe!”
Respirei fundo, como quem quer fazer os poros reabsorveram aquelas gotas inadvertidas de suor. E me coloquei a conjeturar.
Se não existe e eu estou vendo é uma alucinação. Um raciocínio tecnicamente perfeito, ou pelo menos, adequado.
Eu sentia calor e transpirava. Tanto que o gato que estava próximo de mim, decidiu se afastar, indo para debaixo do sofá.
Passei um lenço na testa e ele retornou molhado. Ou se tratava de um processo alucinatório dos mais complexos e completos, ou eu estava desenvolvendo o conceito de “alucinação térmica”.



[1] Henrique Souza Filho – Cartunista Mineiro

domingo, 1 de dezembro de 2013

12 – A inversão (ou seria invenção) do ônus


Certa vez li um livro de Arthur Schopenhauer[1] intitulado “Como vencer qualquer debate sem precisar ter razão”. Confesso que foi como uma epifania. Ele resumia em 36 teses argumentatórias, a maneira de conduzir um debate sem se preocupar se a sua tese tem validade lógica ou não. Era um verdadeiro “manual de patifaria”, nas palavras do tradutor da obra.
Se bem me recordo li uma tese por noite, antes de dormir, e fui reconhecendo as mesmas em discursos de homens públicos de diversos matizes. Vi que muitas vezes “se fingir de morto” pode ser um “excelente argumento”.
Mas vamos ao que toca ao título. Nos últimos anos venho sendo motociclista praticante. A opção do uso da motocicleta como meio de transporte é função do trânsito caótico e, principalmente, da economia.
Comprei a motocicleta de uma pessoa conhecida, que na oportunidade não encontrou o documento de transferência e me foi dito (salvo ocorrência de alucinação), que seria posteriormente fornecido.
Passei a me locomover com a motocicleta procedendo o licenciamento e assumindo eventuais multas, uma vez que a moto continuava em nome da proprietária original.  Até aí tudo sem problemas.
Até que recentemente sofri um acidente, com abalroamento traseiro e um susto e tanto. Brinquei de super homem. Voei aproximadamente uns cinco metros. A minha sorte foi que a motocicleta não caiu em cima de mim. Por sorte não quebrei nada. Apenas escoriações gerais pelo corpo. Um dedo do pé quebrado foi o que de maior monta física houve.
A motorista do veículo que me acertou foi bastante solícita. Se prontificou a me levar a um hospital, mas não foi necessário. Foi realmente muita sorte, pois ela me abalroou defronte a uma guarnição dos Bombeiros, que de pronto vieram me socorrer.
A seguradora da motorista também foi solícita e me pediu para levar a motocicleta a uma oficina, o que fiz pouco tempo depois. Lá deixei o veículo e aguardei. Dois dias depois recebo uma ligação de lá e sou informado: “Deu PT!”. Como não estávamos em ano eleitoral, demorei para me recompor, até que o chefe da oficina me informou que o inspetor da seguradora havia considerado como Perda Total, o tal de PT.
A seguradora me pediu o envio dos documentos e entre eles o de transferência do veículo. Fui perguntar para a antiga proprietária, que logo numa primeira resposta me informou que já havia me dado o documento. Claro, me senti com vontade de procurar um espelho pois deveria estar escrito “otário” na minha testa.
Comecei a buscar fatos na memória para comprovar que o documento não havia sido repassado a mim. Em poucos instantes a conversa mudou de tom, e se afirmou que cabe ao comprador a obtenção de tal documento.
Segurei a vontade de relinchar. Eu já havia vendido veículo de minha propriedade anteriormente e sempre que tal ocorreu, eu providenciei o documento com reconhecimento de firma por autenticidade para a transferência para o novo proprietário.
Em se dando crédito para a informação que me foi prestada, eu havia feito papel de otário em tais oportunidades, uma vez que tal obrigação não seria de minha parte.
Claro, o comprador do veículo não teria como conseguir tal documentos, se não houvesse ação de minha parte para a transferência do veículo. A diplomacia me manteve calado para não causar polêmica.
Por alguns segundos me recordei de minha infância. Minha mãe, quando flagrada em algo que não conseguia comprovar, ela “desligava o automático e partia para o manual”, ou seja, nada que uma boa seção de espancamento não pudesse convencer.
Acho que é desta época que aprendi a ser prudente nas constatações. Não tanto por receio de espancamentos, pois estes se reduziram com o tempo, mas com um certo intuito de evitar polêmicas.
Mas voltando ao caso do documento de transferência do veículo, sei que não é o comprador que deve fornecer o documento, mas o vendedor. Mas em sinal de paz não sei como proceder. Espero estar enganado com respeito à perspectiva de “ficar no prejuízo nesta história”.
Em certos momentos chego a questionar se é bom, ou não, ter boa memória. Tenho por hábito recordar coisas que as pessoas disseram anos passados. Mas como as pessoas tem sempre a perspectiva de afirmar que não disseram, ou não se lembram, a memória de nada vale!







[1] Filósofo alemão.

sábado, 30 de novembro de 2013

11 – Alucinação Real? (ou alucinação X real – ou euro?)



Este negócio de você achar que o que as pessoas dizem é o que elas dizem realmente não é interessante. Se você fica acreditando, é induzido a achar que o que você está vendo é mera alucinação.
Me recordo de uma vez em que minha irmã, ao criticar a minha lavagem de calçada, argumentou: “você já viu alguma empregada lavando a calçada com mangueira?”. Claro que a resposta induzida era de que tal não existia. Na hora pensei em argumentar que já tinha visto uma, ou duas, na verdade, mais que três. Mas achei por bem creditar na coluna alucinatória para ser diplomático e evitar querelas. Poderia, perfeitamente convidá-la para dar uma volta no quarteirão, que seguramente veria algumas. Mas achei que não seria produtivo. Se levasse até tal ponto, eu acabaria tendo que contemporizar para uma alucinação coletiva setorizada contínua, se é que existe tal categorização.
Trabalhar com categorias (não necessariamente no sentido Weberiano[1]) é uma tarefa lúdica para qualquer otário que tenta ser criativo. Sempre brinco com a categoria escravo de ganho, que eram negros escravizados que auferiam ganhos para seus donos, até onde sei em jornada parcial. Comumente falo em otário de ganho, que seria aquele que daria lucro para um “malandro”. No fundo só se muda o nome da categoria. Acho que a maioria da população já fez papel de otário de ganho, dando lucro para terceiros. Acho que o sistema capitalista não funcionaria tão bem se não existissem tantos otários de ganho. Acho que a proporção de otários é tão significativa que o lucro é garantido.
Creio que os “estados alucinatórios” possam também ser categorizados. Acho que Weber vai se remoer no túmulo, mas ou ousar!
Parece existir uma sazonalidade alucinatória. Existem fases da sua vida em que parece que você escuta mais “verdades universais”, principalmente quando você está em períodos de baixa. Principalmente a financeira!
É de certa obviedade que se você for rico, ou aquinhoado pela sorte (mesmo até a malandragem), ninguém vai te chamar de otário. Muito provavelmente ninguém vai te inventar histórias “pra boi dormir” a troco de nada. Pelo menos assim eu imagino. Trata-se de um modelo teórico sem qualquer  comprovação científica.
Sempre me recordo das palavras do Professor Pimentel[2] que os dois pilares da pesquisa científica eram a casualização e a repetição. Bem, se pegarmos trechos da minha vida “ao acaso” (ou al azar, como seria em espanhol), notamos especial frequência de eventos negativos, ludíbrios e enganações diversas. Agora brincando com a similar língua latina, em geral é “ao azar”. Parece haver uma estranha atração por eventos negativos, exatamente como a típica frase de Tia A, citada no começo desta obra.
Ainda brincando com as palavras do Professor Pimentel, esta “acasulização” se repete com especial frequência, de forma que o tal azar, parece carimbar maculadamente a minha reputação como sujeito. A antropologia fala em “homo faber”, “homo habilis” e tantos outros homos (no bom sentido). Acho que posso me incluir na categoria “homo azaris”, que talvez seria uma categoria um pouco menos inferior que o “homo otaris”.
Estou envolvido em um projeto educacional voltado para qualificação profissional. Há mais de um ano batalhando para que as coisas sigam o rumo planejado. Já tivemos percalços diversos, altos e baixos (mais este último). Mas tenho continuado indo atrás. Estivesse eu sozinho no projeto e, fatalmente, eu creditaria a uma alucinação continuada setorizada voltada para uma suposta inexistência do projeto. Ainda mais que não está resultando em palpáveis entradas de caixa!
“You may say I’m a dreamer, but I’m not the only one” já disse John Lennon na música “Imagine”.  Situação similar pareço estar vivendo. Fácil dizer que eu estou sonhando, que o projeto não existe, que tudo não passa de uma “alucinação alucinada”! Mas o problema é que não estou sozinho no projeto. Existem mais pessoas envolvidas. E ao que tudo indica estão acreditando na empreitada. Salvo ser um caso de alucinação coletiva, parece que o projeto existe e algumas pessoas, além de mim, acreditam.  Se for alucinação coletiva acho que vai dar um tremendo estudo de caso.
Caso o projeto venha a dar certo, seguramente as acusações de alucinação deverão reduzir. Talvez eu tenha de vir a creditar em um caso de “expansão alucinatória”, onde repentinamente as pessoas passam a acreditar no que não acreditavam anteriormente. Risos. Bem coisa de otário!
Algumas páginas atrás comentei que eu havia sido comunicado que as aulas que eu dava em curso de Pós Graduação não existiam. Eu estava em uma fase tão baixa de auto estima que cheguei a ir conversar com minha irmã sobre se tratar de uma suposta alucinação. Ela, numa retórica quase infantil, porém de argumentação inatacável disse que se eu pagava minhas contas com a tal “remuneração inexistente!”, então havia uma grande possibilidade de aquilo ser real.
Claro que me sinto ridículo de ter chegado a ir discutir isto. Mas foi a tal síndrome de achar que as pessoas sabem o que estão falando.
Mas me recordando agora do fato, brinco de recordar que tão logo recebo o pagamento (que é feito em espécie, pasmem!) corro para pagar as contas, talvez com medo que a “alucinação passe logo”.
“O sonho que se sonha só é só um sonho, mas o sonho que se sonha junto é a realidade!”
Raul Seixas
Esta frase do “maluco beleza[3]” me parece bastante emblemática. Sou um pouco visionário, admito. Admito ainda que não sou um mago das finanças. Na verdade, nem chego perto de ser. Mas já tive alguns “insights” interessantes. Me recordo que na universidade comentei algumas vezes em turismo ecológico e ambiental. Acho que meu leitor não conseguiria imaginar o volume de risadas que eu escutava. “Você está maluco! As pessoas querem hotéis com pelo menos quatro estrelas!” Hoje o que vejo é outra situação. Este filão turístico parece bastante rentável. Como ferramenta de recuperação de auto estima eu poderia dizer que sou “um homem adiante do seu tempo”.
Faço algumas coisas por gosto, admito! Chego ao ponto de defender que devemos gostar do que fazemos. Sei que isto pode parecer radical para a maioria das pessoas, mas juro que acredito nisso. Acho que temos uma maior probabilidade de fazermos bem feito!
Dar aulas, por exemplo. Gosto disso, ainda que já tenha diversas vezes ouvido que ensinar é uma das coisas mais vergonhosas que se pode fazer. Pois bem, gosto desta “coisa vergonhosa”! Acho a relação em sala de aula algo produtivo, proveitoso, ainda que algumas vezes a remuneração se situe “entre o vergonhoso e o aviltante”! Pois bem, alguém tem de “fazer o serviço sujo!”. Eu sou um destes caras.
Já que estou me abrindo, vou mais além. Chego a ter uma galeria de alunos inesquecíveis! Vou mais além: “acredito que fiz diferença na vida de alguns deles”! Imagine que na minha Dissertação de Mestrado, o primeiro agradecimento que fiz foi para um grupo de alunos! Realmente gosto destes seres “ditos desprovidos de luz”.
Mas a PDA (prática docente alucinatória) também trás situações cômicas! Imagine que o foco emissor da informação de que se tratava de alucinação a minha atividade docente, veio ainda a solicitação de que eu deveria providenciar uma vaga, preferencialmente a minha!
Será que posso dizer que se trata de “sede alucinatória”?



[1] Referente a Max Weber, sociólogo
[2] Frederico Pimentel Gomes – Docente da ESALQ USP
[3] Apelido do cantor e compositor Raul Seixas

sábado, 12 de outubro de 2013

10 . Sim, eu tenho cara de otário
Acho que desde o episódio de Ouro Preto, quando uma aprendiz de quase suposto guia de turismo quis me vender um pedaço da corda que enforcou Tiradentes, que eu não lido bem com situações onde me contam histórias cujo enredo parece implicar em eu fazer o papel do otário, do otário praticante.
Recentemente me envolvi no desenvolvimento de um projeto educacional para uma determinada categoria profissional. Entrei de cabeça! Sei que é estranho dizer que acredito em transformações através da educação, mas acredito. Acredito que e educação pode ser revolucionária e transformadora.
Segundo costumo ouvir de conhecidos, acreditar em educação, em revolução ou transformação social é coisa de otário. Mas não é disto que quero falar no momento.
Este projeto que abracei vem tendo altos e baixos e não tem se desenvolvido na velocidade que eu gostaria que andasse. Mas, até onde percebo, não é por minha causa que isto ocorre.
Uma irmã de minha esposa, vinha residindo na Europa há muitos anos. E o velho continente vem passando por uma recessão brava. E nestes momentos a culpa costuma ser de quem? Dos imigrantes, claro.
Então ela vinha fazendo planos de voltar para o Brasil. Minha esposa me perguntou se eu poderia incluir ela no projeto, como forma de se reintegrar ao mercado de trabalho, no Brasil.
Como sempre eu me propus a ajudar. Na verdade, tenho um estranho hábito de não deixar de ajudar ninguém. Já me disseram que isto é sintoma de altos índices de “otarimicina” no sangue.
Para encurtar a história, ela voltou para o Brasil e, como disse acima, o projeto não anda na velocidade que eu gostaria. Em alguns momentos fui cobrado por qual motivo eu não tinha “mandado” contratarem ela. Eu me questionei sobre meu poder. Será que tenho tanto poder assim e não estou sabendo? Estou tentando equilibrar a minha situação e posição, e creio não estar em condições de “dar ordens”.
Faço aqui uma digressão. Quando saí de uma ONG onde trabalhava, estava procurando uma colocação e fui ao CAT (Centro de Amparo ao Trabalhador), mantido pela Prefeitura. O sujeito que me atendeu, buscou averiguar minhas qualificações e fazer cruzamento com as vagas existentes. Ao final ele me disse que tinha uma vaga de atendente de uma loja de conveniência.
Ao chegar em casa comentei o resultado, e fui “premiado” com a informação de que eu era tão incompetente que não tinha sabido achar uma vaga melhor. Eu havia presenciado o rapaz que me atendeu cruzar informações de diversas formas e entendia que não teria havido erro de procedimento. As vagas disponíveis lá é que me pareciam com um baixo nível de qualificação necessária.
Não me esqueço que fui “incentivado” a aceitar a vaga. Havia uma indicação de que deveria começar como tal e que eu poderia ter uma “ascensão meteórica”. Sei que geralmente tenho a tendência de acreditar no que as pessoas dizem, mas naquele dia, confesso que não consegui.
Cheguei a comentar com um amigo, ao que ele me disse: Você não acha que as vagas de mais qualificação são encaminhadas para lá, acha?
Senti um certo sarcasmo na pergunta. Aquela ironia parecia reforçar o meu “lado otário”.
Mas para todos os efeitos eu era o tal otário que não sabia procurar uma colocação na tal entidade de recolocação no mercado de trabalho.
Em determinado momento fui questionado sobre a tal vaga que eu deveria fazer surgir. Confesso que havia tentado uma colocação em área administrativa, mas com o andamento do projeto, tivemos de montar uma estrutura substancialmente menor em outro lugar, que não o inicialmente previsto.
Comentei com minha esposa que naquele momento só teria como conseguir uma vaga como recepcionista. A pergunta que me foi feita foi: “Dá uns R$ 3.000 pelo menos?”
Como percebi que havia certa dose de seriedade na pergunta, evitei rir e logo respondi que seria bem menos do que aquele valor.
Não comentei o fato com ninguém, pois seria chamado de mentiroso. Se me contassem, eu seguramente não acreditaria.
Passados alguns dias eu voltei à carga e perguntei que aquela posição iria interessar, quando surgisse.
Eu expliquei que a remuneração seria menor que R$1.000 e que era o que eu poderia conseguir naquele momento. Mas me lembrei que seria uma remuneração semelhante a que me ofereceram para ira trabalhar na tal Loja de Conveniência. Pela “lógica”, seria interessante. Mas comentei que ela poderia ir procurar no tal órgão da Prefeitura, e seguramente ela saberia procurar muito melhor do que eu e arrumaria uma colocação infinitamente melhor.
O que se seguiu na conversa beira a uma alucinação. Minha esposa disse que ela tinha voltado da Europa por que eu tinha oferecido uma vaga para ela no projeto. Eu tinha apenas dito que iria ajudar no que fosse possível. Mas pareceu que meu poder havia sido superestimado em demasia! Foi-me dito que ela não iria procurar em outro lugar, uma vez que ela havia “se comprometido comigo” e de modo algum iria falhar.

Eu que “sou mais bobo” iria procurar algo melhor se tivesse oportunidade. Será que ela era mais otária que eu??? Não, não creio. E eu? Se acreditasse na história, qual qualificação teria?

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

9 - Eu alucinado?

Como comentei anteriormente, sempre tive o péssimo hábito de acreditar no que as pessoas dizem. E, pior ainda, sempre achei que as pessoas pensavam antes de falar!
Portanto, sempre que alguém pedia algo, eu fazia o que havia sido pedido.
Faço uma pequena digressão novamente. Na época em que trabalhei na Amazônia, passei por uma situação muito instrutiva. Eu havia pedido algo para meu capataz, e ele não fez como eu achava que deveria ser.
Ele respondeu: “doutor, eu fiz exatamente de acordo com as suas instruções!”.
Eu continuei: “eu não dei instrução alg..........”.
Parei a frase pela metade, pois percebi que não poderia querer que ele fizesse exatamente como eu faria, sem dar para ele as devidas instruções.
Passei a ser extremamente prudente nas interpretações. Comecei a ser extremamente dialógico na execução do que quer que fosse solicitado. Sempre fui curioso, agora parecia mais curioso ainda.
Sempre que um pedido ou solicitação parecia oferecer mais de uma execução operacional, eu buscava entender, de qual maneira o solicitante desejava. Talvez a minha arquitetura de raciocínio seja muito visual e eu precise ter um entendimento mais abrangente do que se solicita.
Mas fui percebendo que esta dialogia não era bem recebida em determinados ambientes. Minha atual companheira, sempre questionou o excesso de perguntas para se fazer algo. Eu explicava que era para garantir, ou pelo menos reduzir, as possibilidades de erro. Algumas vezes ouvi que viver era correr o risco de errar. Tudo bem, até concordo, mas tudo depende de que maneira este erro é recebido!
Sempre me considerei bastante observador, talvez isto me faça tentar antever eventuais problemas operacionais. Tenho o lado “curioso praticante” que me leva a querer saber, independentemente de eu ter necessidade daquele conhecimento. Não sou utilitarista do conhecimento, com o tempo desenvolvi a paixão por aprender e isto me motiva. Seria uma espécie de conhecimento passional. Mas a vida tem mostrado que em determinados ambientes, como o doméstico, estes procedimentos não são um sucesso.
Cito uma situação emblemática. Certa feita ouvi a seguinte solicitação: “ Minha esposa falou: “ pegue meu óculos na cozinha”.
Fui à cozinha e não achei os óculos. Procurei até na geladeira, por via das dúvidas! E nada!  Quando voltei com a missão fracassada, ouvi que eu não entendia “linguagem figurada”, pois era para pegar a bolsa no quarto! Para mim, aquilo não era linguagem figurada e sim erro de informação.
Silenciosamente eu me questionava se havia ouvido corretamente. Por mais que eu tentasse acreditar no erro auditivo, mais me apercebi de que estava tentando contar uma mentira centenas e centenas de vezes, para ver se ela acabava virando verdade. E eu acreditaria nela.
Mas parei antes da milésima repetição! Felizmente!
Diversas outras vezes, passei por situação semelhante. Sempre com a garantia posterior de que quem solicitou verbalizou corretamente e quem ouviu é que ouviu errado.
Quantas vezes precisei repetir para mim mesmo, enquanto procurava algo:
“Cara, você sabe que existe, você já viu, já viu pelo menos uma vez, você acredita que existe, geralmente costuma existir!”
Parece um mantra que busca apoiar um pouco de lucidez! Quando alguém garante que sempre fala correto e você sempre entende errado, levanta-se a hipótese de alucinação recorrente. Mas quando em diversos casos existem testemunhas que garantem que o que você ouviu é o que foi dito, isto causa certo alívio. Eu não estou pirando, ao menos, ainda não.
Ainda que não seja a etimologia correta da palavra, costumo dizer que alucinação poderia indicar, a partir de uma fragmentação da palavra, o prefixo “a” como negação e lucinação, a existência da luz. Então, alucinar seria estar sem luz. Claro, não me furto a uma boa piada: “quem deixa de pagar a conta de luz fica alucinado”. Não, deixar de pagar a conta de luz e ficar no escuro não é alucinação, pois as contas são reais, elas existem.
“Eu não creio em contas, mas que elas existem, existem!” (daria um belo lema urbano contemporâneo)
No quesito alucinações, posso descrever uma miríade (sempre quis usar este palavra) de casos, mas vou descrever o que julgo ser emblemático.
São tantos casos que hesito na escolha. Vou escolher ao acaso, pois a probabilidade de eu pegar um significativo é bastante grande. Neste caso, o universo conspira a favor, o que no fundo é conspirar contra!
Recordo-me de quando comecei a lecionar para pós  graduação e licenciados que buscavam a segunda graduação. Claro, quando fui me candidatar, a Coordenadora não me conhecia, e, portanto, não tinha a “obrigação” de acreditar que eu poderia ser um docente acima de uma linha de mediocridade. Ela leu o meu currículo e disse que “iria pensar”.
Algum tempo depois ela “pensou” e me ofereceu para ministrar uma aula em um polo pedagógico em um ponto distante da cidade. E põe distante nisso! Em sempre me considerei um cara bastante conhecedor das “quebradas” da cidade, e não sabia onde era. Claro, uma consulta no google maps e tudo pronto, o roteiro estava feito. Eram cerca de 50 km da minha casa. Iria faltar pouco para “ficar mais caro o molho do que o peixe”. Mas quem precisa vai atrás. E fui.
Quando cheguei no lugar, entendi por que os outros docentes (talvez mais lúcidos) não gostavam de ir dar aula lá. Levei cerca de uma hora para chegar lá, de sábado e em cima de uma motocicleta.
Ministrei a aula e ao que tudo indica, esta foi bem recebida pelos alunos. A coordenadora comentou vagamente que teria havido alguns elogios. Pouco tempo depois eu fui chamado para dar aula em outro polo, agora mais perto, distando cerca de 30 km. Encarei como um progresso. Novamente a aula teria sido bem recebida, de tal sorte que em pouco tempo fui convidado para dar aulas em um ponto bem mais perto, cerca de 10 km!
Fui convidado para dar aulas de um componente que não era o de minha formação, ainda que eu tivesse algum “conhecimento passional”. Eram aulas de história para professores da rede pública que buscavam uma segunda graduação.
Quem precisa, não escolhe trabalho! E de cara, topei. As aulas eram aos sábados e o volume de informações que deveriam ser passadas era bastante, gigantescamente, grande. Eu tinha de fazer mágicas para ministrar a aula dentro do tempo estabelecido (6 horas com um intervalo para almoço, de uma hora).
A minha estratégia foi a de focar em tópicos que permitissem o entendimento reflexivo do período histórico lecionado. Eu procurava fazer uso de recursos didáticos que tornassem a aula motivadora. E acho que funcionou!
Uma vez olhando o Facebook (sim, otários também frequentam as redes sociais), encontrei um grupo de alunas que diziam que pela primeira vez não tinham vontade de fugir da aula! Eu tomei aquilo como um elogio. Salvo ser um caso de homônimo completo, o comentário era sobre a minha aula e sobre mim. Recordo-me de um breve umedecimento facial que pareceu classificar como produtiva a minha atividade.
Cabe aqui esclarecer que eu sempre achei a atividade docente como interessante. Apesar de ter crescido ouvindo de minha mãe “com tanta coisa boa para você gostar, você vai gostar de dar aula!!!!”.
Mas esta minha experiência negativa não se restringiu à infância e adolescência. Recordo-me de uma vez ter escutado uma antiga sogra comentando com uma vizinha, que eu gostava de dar aulas. O comentário era feito de uma forma negativa, como se a docência fosse algo similar a uma doença contagiosa e incurável.
Bem, do ponto de vista da remuneração, em geral a docência fica em um estágio intermediário entre o vergonhoso e o enojante. Talvez por este motivo as pessoas vejam o docente como um otário praticante. Recordo que meu pai dizia “quem sabe faz, quem não sabe, ensina”. No que era endossado por minha irmã.
Um ponto negativo (existem tantos!) de se ser otário praticante, ou simplesmente OP, é o de que você sempre esbarra em uma dicotomia desagradável ao contar o seu dia a dia. Ou te chamam de otário ou de mentiroso. Nenhuma das alternativas é elogiosa a ponto de se colocar no currículo.
Vem-me a partir da memória de que uma vez, minha esposa comentou que eu ia “brincar de ser professor” aos sábados. Eu fiquei um pouco chocado diante da aparente seriedade da afirmação. Eu acreditava, salvo hipótese alucinatória, que estava fazendo minha atividade a contento, o seja, atingindo os objetivos educacionais, e mais que isso, sociais.
Continuei esta atividade até que ouvi que “as aulas que eu dava, não existiam”. Quando se vê (ou se faz) alguma coisa, e que tal não existe, a alternativa da alucinação é totalmente pertinente.
Nesta época, eu cheguei a ir conversar com minha irmã, perguntando primeiramente se ir dar aquelas aulas, seria algo vergonhoso. Ela disse que não, apesar de que historicamente eu me recordava que ela dizia que ensinar não dava futuro para ninguém.
Ela respondeu negativamente. Ainda bem! Prossegui comentando que havia ouvido que aquilo que eu fazia aos sábados não existia. Eu precisei explicar uma segunda vez, pois ela parecia não ter entendido o que eu havia dito. Parecia uma situação irreal, ela parecia se recusar a imaginar que eu havia dito aquilo.
Do auto de uma racionalidade quase dogmática ela perguntou: “Você está recebendo por estas aulas? Consegue pagar as suas contas com esta remuneração? O banco aceita o que você diz recebe?”
Diante de todas respostas afirmativas, ela disse que aquilo, então, existia. Eu me senti aliviado, e, claro, ridículo, por ter chegado a ir questionar tal situação. Minha irmã parecia me lançar um olhar de estranheza.
Ainda nesta atividade docente, posso registrar outro fato de difícil credibilidade. Minha esposa, que frequentemente comentava minha incapacidade educacional de lecionar história, uma vez que não era graduado na área, me perguntava se eu não “arrumava uma boquinha” para ela também dar aulas. Parecia algo estranho pois ela iria “fazer algo que não existe”!
Um dia surgiu uma oportunidade e eu previamente liguei para ela perguntando se toparia dar aula no tal lugar “tão, tão distante”. A resposta foi afirmativa. Eu já estava dando aula na sede, o que me deixava mais aliviado. Ela perguntou se eu não queria trocar com ela, de tal sorte que eu iria para “tão, tão distante” e ela daria aulas na sede.
Ainda que eventualmente eu topasse, as aulas não eram atribuídas ao acaso, e eu poderia estar arrumando problemas, trocando de turmas sem consulta prévia.
Confirmei na escola que ela topou dar aulas para aquela turma. Isto era uma quinta feira pela tarde e a aula seria no sábado. Logo que confirmei, ela me disse que eu deveria preparar o material de aula para ela. Sim, você leu certo! E eu, com certa habilidade de preparar material didático, em menos de duas horas liguei e falei “já mandei o material para a sua caixa postal”! Sim, você leu novamente certo!
Tudo correu bem nas 24 horas seguintes, até que na noite de sexta feira, ela me avisou: “se você não for lá me levar amanhã eu não vou”!
Eu tentei negar que aquilo estivesse acontecendo, mas em face da exiguidade do tempo, não teria a oportunidade de repetir a mentira por mil vezes.
Programei para acordar de madrugada, pois eu precisava ira até “tão, tão distante”, comboiando ela, e voltar para o polo sede e dar a minha aula.

Aquela velha máxima “urubu quando está de azar......” pareceu estranhamente verdadeira quando, no caminho, encontramos um acidente que fechou a estrada, impossibilitando o tráfego. Ficamos por cerca de uma hora parados na estrada. Quando liberou, consegui conduzir ela até o polo e chegar com apenas cinco minutos de atraso onde eu deveria dar aula. Sei que é difícil de acreditar nesta situação, mas é a verdade. Não, não sou mentiroso, sou otário.

8 - Quando tudo parece dar certo .....

Há alguns anos, juntamente com um colega de Universidade, ajudei a desenvolver um sistema de Educação à Distância.
Estes sistemas para serem utilizados pela internet, ainda eram novidade e nos parecia um mercado bastante promissor. Depois de meses de desenvolvimento, realizamos mais um bom período de testes, e parecia que o sistema estava “redondo”.
Este meu colega, se encarregou de toda a parte comercial e eu da educacional. Eu achava que a parte comercial estava nas mãos corretas quando ele me disse que havia conseguido gratuitamente um espaço em uma feira de educação. Era a porta ideal a ser aberta.
Acertamos que eu ficaria no stand, enquanto ele faria os contatos comerciais. Eu fazia as demonstrações e ele buscava os interessados.
Logo no primeiro dia, na hora do almoço ele voltou animado, me contando que havia conversado na indústria com uma grande indústria e que após apresentar as funcionalidades, teria ouvido como resposta: “era justamente isto que estávamos procurando!”.
Quando ele me contou, eu vibrei. Logo na primeira tentativa! Recordo que até fiz uma piada. “Será que Deus é sócio oculto na empresa?” Eu não me continha de felicidade. Ao final do primeiro dia, ele havia feito mais dois contatos na parte da tarde que também teriam apresentado igual interesse.
Eu não acreditava. Parece que havíamos acertado em cheio nos anseios do mercado. Ainda bem este meu colega cuidava da parte comercial! Logo pagaríamos todas as dívidas e começaríamos a ganhar dinheiro.
Mais dois dias de feira e uma dúzia de contatos haviam sido feitos,  sendo praticamente todos eles “promissores”.
Continuamos os testes e adaptações no sistema até que cerca de um mês após o final da feira, eu não havia visto nenhum contato sendo desenvolvido. Então resolvi questionar se todos aqueles contatos, ou parte deles, não iriam ser desenvolvidos.
Recebi como resposta que ele não tinha tempo!
Dizem que para bom entendedor, meia palavra basta! Acho que não fui bom entendedor. Tanto que continuei no projeto, acreditando no sucesso futuro.
Pouco tempo depois, ele iniciou os contatos para montagem de um determinado curso através da internet, fazendo uso do nosso sistema.
Numa das idas para discutir o fechamento do contrato, ouvi dele “pretendo até o final do ano gastar pelo menos um milhão na montagem de uma creche!”.
Estranhei, claro, até então não havia entrado um único centavo e ele já “gastava por conta!”. Estávamos já no segundo semestre, agosto ou setembro, e o final do ano não estava longe.
Nesta conversa ele disse ainda, que “logo estaríamos com 200.000 alunos no curso, pois era um curso que “todo mundo estava procurando”.
Num daqueles “acessos de lucidez” deu falei: “quando chegar a 5.000 eu vou comprar rojões para comemorar!”. Ouvi como resposta que eu não sabia nada, e que por isso estava sendo pessimista.
Para encurtar a história, o curso não chegou a ter 200 alunos no total.  Acho que fui até muito otimista ao falar em 5.000. Me recordo que a explicação era que as pessoas ainda não estavam preparadas para o curso que nós montamos.
Acho que posso dizer que para um bom otário meia mentira basta! Eu ainda saí feliz, além de duro, achando que éramos a vanguarda da vanguarda. Até me senti um pouco Steve Jobs! (Ausência total de “desconfiometria”!)
Continuamos a desenvolver o sistema, até que conseguimos colocar o mesmo em uma escola muito bem ranqueada na época nos exames do ENEM[1]. Eu, mesmo não sendo responsável pela área comercial, enxergava na oportunidade, uma porta de entrada para outras escolas, visto que o estabelecimento onde estávamos era muito bem conceituado.
Os rendimentos eram bons. E constantemente eu buscava ajustar totalmente o sistema ao nosso principal cliente. Na verdade o único.
Eu ia diariamente à escola e qualquer ajuste que eu julgava necessário, ligava para a equipe de desenvolvimento e deixava como parecia o ideal para a escola.
No segundo ano da parceria, aumentamos o número de alunos atendidos, dentro da mesma escola, e com consequente aumento dos rendimentos.
Foi aí que fui comunicado por este colega, que era sócio majoritário na empresa, que não poderia solicitar mais nenhuma adequação do sistema para a escola. Segundo ele, não poderíamos nos adaptar ao cliente, mas o cliente é que deveria se adaptar a nós!
Aquilo soou estranho! Eu acreditava na máxima popular de que o cliente sempre tem razão. Mas ele insistiu e fechou a questão. Eu era sócio minoritário e não tive como modificar a situação. Ele alegava que éramos “muito mais inteligentes do que aqueles caras da escola!”. No meu simplório entender, se realmente fôssemos, seríamos nós os dirigentes da escola e não eles.
Mas mantive a situação como foi ordenado. No final do ano, ocorreu o que eu já vinha alertando a ele. O contrato não foi renovado! E ficamos com uma mão na frente e outra atrás!
Ainda ouvi que “aquele pessoal não estava preparado para o nosso sistema!”. Desta vez não me senti mais vanguarda, mas otário.
Depois desta escola, não conseguimos mais implantar o sistema em nenhuma outra. Já haviam plataformas gratuitas como o Moodle, que inviabilizava a operação.
Fiquei feliz quando ele falou que queria comprar meus 15% da empresa. De pronto aceitei e assinei tudo. Eu achava que ia receber alguma coisa! Passei recibo de otário.
Ele continuou com projetos mirabolantes, sempre com vista a lucros elevadíssimos, sendo que nenhum decolou, sequer iniciou, na maioria dos casos.
Se por um lado me senti aliviado por não estar mais em canoas furadas nestes projetos, na condição de sócio, por outro lado, tinha a sensação de que havia gente mais otária do que eu!
Na verdade quem “identificou” o negócio “promissor” com este colega, foi minha esposa de então. Ela que me estimulava a passar vários dias fora de casa, em outra cidade, participando do desenvolvimento do sistema. Como eu sempre me achei sem grande faro para identificação de negócios, imaginei que ela estava descobrindo um filão maravilhoso para mim.
Isto foi um pouco antes do descarte e substituição (não necessariamente nesta ordem!).
Acho que ela não era também uma excelente consultora de negócios! E nem eu um bom identificador de ciladas.



[1] Exame Nacional do Ensino Médio

7 - Ser otário é .....

Acho que muitos devem se recordar de uma sério de histórias em quadrinhos chamada “Amar é ....”, onde um casal definia situações onde se procurava definir o que é amar.
Dentro da vertente lúdica que busquei para manter a lucidez, ou o que sobrou dela, criando uma série chamada “ser otário é...”.
Anteriormente já disse que havia criado a “otarimicina”, que seria um componente detectável no sangue, de forma a se medir o tanto de otário que uma pessoa seria.
Este nível poderia variar de “traços”, a valores espantosos, onde no primeiro caso, poderíamos situar aquele que praticamente não faz papel de otário, até aquele que podemos chamar de “otário praticante”.
Infelizmente não consigo me situar nas proximidades do primeiro grupo, visto que meu histórico de vida não aponta baixa frequência no papel em questão.
Com esta mesma visão lúdica, sempre procurei criar interpretações engraçadas, que permitissem o alívio da dor interior que se sente quando se faz papel de otário. Ao menos não dói muito quando imaginamos a situação como a cena de um filme. Rimos da situação, até que nos damos conta de que somos o ator principal da trama.
Me recordo de um cartoon de um desenhista onde o personagem entra em um pavilhão de espelhos e fica rindo diante da reflexão deformada de sua imagem, ora sendo gordo, ora magro, ora torto. Até que na saída da sala, ele se depara com um espelho plano; momento em que toma consciência de que ria de si próprio.
Pois é, como costumo dizer, só dói quando eu respiro!
Dentro desta atitude auto protetiva de fazer piada, criei o “Troféu Otário Padrão[1]”, para premiar aqueles que se distinguiram na condição de otário em vários segmentos sociais.
Obviamente quando imaginei a premiação, já me vi recebendo, ainda em tenra idade, na categoria “otário prodígio”, em função da “Teoria ornitológica” que eu defendi com unhas e dentes até por volta de 12 anos de idade. Pode parecer que este episódio me marcou. Não, não parece, marcou mesmo, e muito. Nunca lidei bem com isso. Acho que dá para uns trinta anos de terapia
Brincava imaginariamente ainda com a criação de uma associação internacional de otários. Seria o “Otary Club[2]”, onde como nos moldes da Mensa[3], onde somente poderiam ser aceitos, aqueles que comprovassem ter “habilidades otáricas” que o diferenciassem da massa.
Sempre me imaginei recebendo o troféu, que nunca defini a forma. Hoje, avaliando, bem que poderia ser um pedaço de corda! Para combinar com a tentativa que houve de me venderem um pedaço de corda que teria enforcado o Tiradentes. Talvez uma lata cheia de esterco, ofereceria um design adequado.
Mas, a forma em si não tem importância. O fato é que eu seguramente figuraria entre os premiados. Infelizmente, com certa frequência.
Os premiados seriam matéria de capa em uma publicação chamada “Otários em Revista”, que seria nos mesmos moldes da revista Caras ou outras similares. Sempre procurando causar inveja ao que não conseguiram aparecer na publicação. Poderíamos penar, inclusive, em uma matéria anual na “Ilha dos Otários[4]”, onde os convidados fariam merchandising grátis de diversos produtos.
Ser otário é .... votar em quem a televisão mandar!
Neste quesito, olhando pela ótica da especialização, quase aparece uma “mancha” na minha “capivara[5]”. Quando da eleição de Fernando Collor de Mello, eu não votei nele!
Inteligência? Não sei. Talvez um “acesso de lucidez”! Afinal ninguém é otário o tempo todo. Ao menos eu assim imagino.
Meses antes das eleições, a televisão (notadamente a Rede Globo) apresentava um jovem governador do estado de Alagoas, que havia ficado com fama de “caçador de marajás”, em função de sua cruzada contra os autos salários pagos em diversas autarquias e repartições públicas em seu estado. Não que fosse uma característica única local. Sempre foi praga que se alastrou por todo o país.
Mas parece que havia alguém disposto a “cortar o mal pela raiz”. Me recordo de que quando assistia as matérias na TV, eu imaginava “é de um presidente como este que o país precisa!”. (Eu ganhei um cavalo, você viu ele por aí?)
Quando ela apareceu como candidato eu comecei a achar que o país tinha jeito! Vibrei e fiquei esperando o dia para escolher aquele candidato.
Mas, sabe aquele ditado popular “é bom demais para ser verdade”? Acho que foi o que aconteceu comigo. E na reta final, mudei meu voto. E deu no que deu, com cerca de dois anos de mandato, ele foi “convidado a se retirar”.
Ao menos eu podia dizer que não havia sido responsável!
Engraçado como ao se escrever, vão retornando fatos ocorridos que marcam bem a imagem de quem com regular frequência fez papel de otário.
Acho que uma das principais características de um bom otário é a sua credulidade. Neste quesito, acho que sempre fui bastante crédulo. Eu sempre tive o hábito de achar que o que as pessoas falaram é o que elas falaram. Sempre fui partidário da coerência. Ou seja, sempre achei que deveria prestar contas do que eu disse.
Cito um caso de um período que fui sócio de uma loja de produtos de informática. Placas de rede, ainda eram novidade. Havia uma marca famosa e as que chamávamos de “xing ling”, ou seja genéricas “made in China”.
Um dia um cliente me perguntou o preço de placa de rede. Eu simplesmente olhei na listagem de preços e falei o preço. Eu tinha pego o preço de uma placa “xing ling” e a que estava na vitrine era uma “de marca”.
No mesmo dia o cliente voltou querendo comprar a placa. Quando me dei conta do erro (a de marca custava o triplo), como me recordava do que eu havia dito, vendi a placa “genérica” pelo preço da “de marca”, como forma de honrar o que eu havia dito.
Recordo que alguns colegas da época acharam que fiz papel de otário ao honrar o que eu havia dito. Bem, tive prejuízo, talvez isso fosse um indicativo de que eu deveria ter enrolado o cliente, o tanto quanto fosse possível.
Esta situação de acreditar é emblemática. Certa vez, procurei uma pessoa, bastante influente.  Fui conversar com ele e disse, vim aqui te “mostrar a bunda! Estou precisando de ajuda para voltar a dar aulas e como sei que você é bem relacionado, vim pedir a sua ajuda!”.
A pessoa, que eu conhecia de longa data, se apresentou bastante solícita. Ele inclusive me disse que eu deveria mandar o meu Currículo para o e mail dele, para que eu nem tivesse despesas para imprimir. Fiquei, claro, feliz com a empatia encontrada. Na mesma noite mandei o currículo para ele.
Passado um mês, fui procura-lo para ver se tinha conseguido algum contato. Ele me disse que não tinha tido tempo. Eu me censurei pela ansiedade (eu sentia fortes dores no órgão sensível – o bolso) e fui embora. Não querendo ser rotulado de ansioso, esperei mais 3 meses e voltei para consultar a tal. Fui informado que ainda não havia tido tempo.
Não querendo atrapalhar o tempo da pessoa, decidi tomar uma medida “protetiva”. Aguardei por mais seis meses e voltei. A resposta foi a mesma.
Na oportunidade, quando saí do local onde ele trabalhava, passei por uma praça bem cuidada. Fiquei com medo de correr para ficar de quatro comendo grama. Sentia uma estranha vontade de relinchar.
Nesta mesma linha da credulidade, quando da minha separação (descarte e substituição, não necessariamente nesta ordem), foi dado como motivo, que minha então esposa havia descoberto que não servia para conviver com ninguém. Eu achei o argumento inatacável. Só estranhei ela haver levado pouco mais de duas décadas para descobrir.
Eu falei para ela que gostaria de poder entender melhor o que tinha havido. Ela concordou e disse que mais para frente conversaríamos. A gente se separava e conversava depois. Apesar de parecer uma lógica reversa, eu concordei.
Esperei dois ou três meses pelo contato, e como o mesmo não ocorreu, achei que deveria tomar a iniciativa do diálogo. Liguei para ela e expliquei do que se tratava. Fui informado que não havia nada que se conversar! Ainda argumentei que havíamos acordado de conversarmos posteriormente. Ela disse se recordar (fiquei feliz por não ter sido uma alucinação), mas disse que da parte dela não havia o que conversar. Eu mesmo tomei a inciativa de desligar o telefone.
Evitei olhar para algum espelho, pois sabia que não iria gostar da imagem.
Se for descrever todos os casos onde pequei pela credulidade, estaria entrando em uma rotina redacional interminável, com umas poucas exceções.
Estranhamente, nunca fui de acreditar em liquidações! Mesmo não sendo ético, eu chegava a quase rir das pessoas que acreditavam que estavam comprando produtos com 90% de desconto (ou off, que fica mais chique).
Meu primeiro emprego foi como vendedor em uma loja de sapatos. Eu tinha um salário um pouco abaixo de irrisório, e deveria faturar o resto com comissão das vendas.
Nos primeiros tempos eu me empenhava em atender ao que o cliente ou a cliente queria. Desnecessário dizer que meus ganhos eram parcos. Havia um vendedor bem antigo que era o vendedor mais experiente da loja. Acho que por solidariedade misericordiosa, resolveu me dar “dicas” de como vender mais. Aprendi a contar histórias do tipo “este sapato está com este preço por engano do gerente, ele custa o dobro!.
Eu não me sentia bem inventando aquelas histórias, mas consegui elevar os meus ganhos. Algumas vezes o tal vendedor experiente me dizia “olha lá, novato, ali é pato bom[6], vai lá depenar ele!”.
Isto me faz recordar de uma piada sobre corretor de imóveis:
Um sujeito procura um corretor para comprar uma casa. O corretor lhe apresenta uma casa que o interessado gostou. Quando pergunta o preço, se assusta: um milhão de reais!.
O corretor justificou: fica ao lado de uma escola, seu filhos não vão precisar de transporte, tem uma delegacia na rua, a sua família vai estar segura e tem feira na porta, de forma que sempre vai poder contar com produtos fresquinhos.
Alguns meses depois, o proprietário, que havia adquirido o imóvel precisa se mudar de cidade e chama o mesmo corretor para intermediar. Ele avalia a casa em quinhentos mil reais, a metade do valor pelo qual havia negociado o imóvel.
Ele (o corretor) justificou: tem escola ao lado e as crianças vivem fazendo bagunça na rua, está perto de uma delegacia e sempre passam criminosos na porta e, finalmente, tem feira na rua, que deixa tudo imundo!
Sempre tive dificuldades em dar crédito a quem quer vender algo.
Igual situação com solicitação de contribuição para entidades que prestam assistência. Numa cidade onde morei, havia um sujeito que rotineiramente passava para pedir contribuições para um tal “Instituto de Cegos Santa Luzia”. Como na cidade havia uma instituição com este nome, a minha esposa costumava contribuir. Uma vez, perto do final do ano, a pessoa passou com diferença de cerca e duas semanas, pedindo nova contribuição. Eu atendi e comentei o fato da proximidade da visita. Ele me explicou que era por causa de ser época do décimo terceiro salário. Eu simplesmente virei as costas e entrei. Quando minha esposa voltou eu comentei o fato. Foi só aí que ela reparou que no recibo da tal instituição estava um endereço de outra cidade, da Capital.
Na minha primeira viagem para a tal cidade, fui procurar o endereço. Claro, não havia a instituição. Foi uma espécie de alívio perceber que como otário, eu não estava só no mundo.
Mais recentemente recebi um telefonema pedindo contribuição para uma entidade que não me recordo o nome. A telefonista me explicou que eu havia sido “selecionado para poder contribuir” com a tal entidade. Por alguns segundos cheguei a achar que se tratava de uma alucinação. Educadamente desliguei o telefone para a “alucinação” passar.
Como falei anteriormente, fui escoteiro na infância. No escotismo, costumamos dizer “uma vez escoteiro, sempre escoteiro!”. Sempre gostei de alguns princípios do movimento e uma vez, já “otário adulto”, resolvi provar que o escotismo era realmente para todos, e não somente para os garotos e garotas de classe média que eu via serem atendidos.
Resolvi fundar um grupo dentro de uma favela. Queria mostrar que poderíamos fazer a diferença para aqueles jovens que eu chamava de PPP (portadores de precariedade pecuniária). Claro, para entrar na favela, precisei falar tanto com “Deus”, como com o “Diabo”, na verdade, mais com o segundo.
Acho que meu lado de insistente foi válido, pois toquei o grupo por cerca de três anos, com a companhia de minha segunda esposa. Tentávamos levar as crianças para atividades externas, mas quase sempre esbarrávamos numa limitação que parecia insolúvel. A maioria das crianças não tinham recursos sequer para pagar a passagem do ônibus.
Chegamos a participar  de algumas atividades externas, mas não de forma incólume. Recordo-me que em uma atividade ouvi de uma criança o comentário “aqueles ali são os favelados”.
Entendo que este comentário não deve ter nascido na boca de uma criança. Ela devia estar apenas repetindo o que ouviu de um adulto.
Em um determinado momento, haveria um acampamento estadual. E que queria levar as nossas crianças para participar.  De antemão sabia que o custo estava muito acima das possibilidades deles. Mas havia um fundo que custeava até a metade das despesas da atividade. Eu sabia que as nossas crianças teriam este apoio. Elas precisavam “somente” da outra parte.
Fui buscar patrocínio em empresas de grande porte. Em uma delas precisei ouvir, depois de expor o projeto “deixa ver se eu entendi, você quer dizer que são todos favelados?”.
A conversa acabou logo ali e no dia seguinte recebi a resposta, que aquelas crianças não se enquadravam no perfil que aquela empresa consumava ajudar.
Recordo-me que desliguei o telefone com a dúvida se ser pobre seria um crime, ou já era o castigo.
O que mais me doía, é que tinha ouvido de uma menina que fazia parte do grupo: “toda vez que eu varro o bar da minha madrinha, ela me dá um real. Vou ajuntar para poder ir acampar.” Em sua ingenuidade infantil, ela não tinha se apercebido que precisaria varrer o bar 120 vezes, ou seja diariamente por quatro meses.
Confesso que não segurei as lágrimas ao contar para aquelas crianças que eu tinha fracassado na missão de obter patrocínio para o acampamento deles.
Depois desse fracasso, “perdi o rebolado[7]”, e fui desanimando até desistir do projeto. Tive de “botar o rabo no meio das pernas” e admitir que aquelas crianças não eram iguais às outras que eu conhecia no escotismo!
É altamente frustrante quando você não consegue comprovar suas próprias crenças! (vide o caso da cegonha que eu não consegui comprovar)
A ideia de um grupo escoteiro para carentes vinha desde o tempo que ouvi  um chefe escoteiro dizendo: “você tem de valorizar o jovem que se esforçou e foi para o Jamboree[8] na Tailândia.”.
Eu dizia para o tal chefe que eu deveria realmente valorizar aquele jovem que foi no acampamento pois ele tinha cinco mil dólares para isso! Isto sim era o valor dele!
Claro, me recordava dos acampamentos que deixei de ir, na minha infância, por não conseguir obter os recursos necessários. E aquilo me fazia sentir menos escoteiro que os demais!



[1] A brincadeira é com o Troféu Operário Padrão, que era oferecido para operários da indústria, patrocinado pelo Jornal O Globo. Tinha como sub título “modelo na família e na sociedade”.
[2] Brincadeira com o nome do Rotary Club, sem qualquer conotação desrespeitosa com a entidade.
[3] Mensa é uma associação internacional de super dotados. Até onde sei somente são aceitos como associados, pessoas com QI acima de 130.
[4] Referência à Ilha de Caras, da revista Caras.
[5] A expressão “capivara” é uma gíria para ficha criminal.
[6] A expressão pato bom era para indicar um potencial cliente altamente sugestionável.
[7] Expressão popular para desanimar.
[8] Jamboree é um acampamento internacional realizado a cada quatro anos, sempre em um país diferente.